Se o superendividamento aumenta rapidamente, a ausência de mecanismos jurídicos eficazes para declarar falências ou resolver conflitos entre credores e devedores convida à interferência política no mercado de crédito na forma de alívios da dívida determinados pelo governo. Ações desse tipo, com frequência, se tornam a única alternativa para solucionar o problema de dívidas insustentáveis. De fato, as economias emergentes têm feito amplo uso de programas politizados de perdão de dívidas, os quais, muitas vezes, prejudicam a disciplina de crédito e o acesso de mutuários com capacidade de crédito a empréstimos de longo prazoii.
Melhorar a capacidade institucional de administrar a insolvência é fundamental para a recuperação econômica equitativa por várias razões. As reformas dos sistemas de insolvência estão associadas a um acesso mais amplo ao créditoiii, melhor recuperação dos credores, maior preservação de empregosiv, maior produtividadev e índices mais baixos de falência entre pequenas empresasvi. Reformas que visem à redução de custos também podem criar as condições ideais para empresas inviáveis entrarem com pedidos de liquidaçãovii, o que facilitará o fluxo de crédito para os segmentos mais produtivos da economia. Em suma, as reformas para fortalecer os quadros de insolvência na era da Covid-19 ajudam tanto no gerenciamento de crises quanto na recuperação.
As seguintes reformas são recomendadas para aliviar o superendividamento resultante da Covid-19 e viabilizar uma recuperação econômica equitativa. As reformas selecionadas podem ser realizadas por economias em vários estágios de desenvolvimento, com diferentes graus de sofisticação em sua legislação vigente de insolvência e níveis de capacidade institucional. As reformas são comprovadamente eficazes, com base em pesquisas empíricas e lições da experiência.
Fortalecimento dos mecanismos formais de insolvência
Uma robusta legislação formal de insolvência define os direitos e comportamentos necessários para que soluções judiciais e extrajudiciais sejam obtidas de maneira ordenadaviii. Um sistema bem-concebido oferece incentivos capazes de motivar credores e devedores a cooperar no processo de resolução. Outros princípios de um sistema robusto são regras previsíveis de precedência dos credores, que definem a ordem em que as dívidas serão pagasix; resoluções oportunas, que resultam em um círculo virtuoso capaz de motivar todos os atores a buscar soluções extrajudiciaisx; e conhecimentos adequados sobre as complexidades da lei de falências. Por fim, ferramentas de alerta antecipado para a detecção de dificuldades nas empresas são muito promissoras e permitem a identificação antecipada de devedores em dificuldades financeiras antes que tal dificuldade chegue ao ponto da insolvênciaxi.
Sistemas alternativos de resolução de conflitos
Os sistemas de resolução alternativa de conflitos (RAC) podem fornecer soluções mais rápidas e econômicas que o sistema judicial formal, ao mesmo tempo que mantêm parte do rigor dos tribunais. Em um processo de RAC, o devedor e o credor interagem diretamente, e o processo é mediado por uma terceira parte, como um mediador ou árbitro. As resoluções têm caráter vinculante, e os participantes podem manter sua confidencialidade. Os processos de RAC variam conforme o grau de envolvimento do Judiciário. O processo de mediação é inteiramente extrajudicial (embora os tribunais possam encaminhar as partes para mediação), ao passo que, nos casos de acordos híbridos, deve haver certo grau de supervisão judicial ou uma confirmação judicial de acordos extrajudiciais. Os processos de RAC exigem adesão e coesão significativas dos credores, pois, se eles não estiverem dispostos a fazer concessões, o processo será interrompido. Comunicações ativas e a busca de consenso entre os órgãos reguladores e o setor privado — por meio de instrumentos como acordos-quadro ou regras que permitam acordos de reestruturação vinculantes para credores minoritários dissidentes — podem ajudar a enfrentar os desafios associados à coesão dos credores.
O Reino Unido é frequentemente citado como um exemplo de jurisdição com um marco de RAC eficaz. A abordagem de Londres, um conjunto não legislativo de normas e princípios culturais promovidos pelo Reserve Bankxii, orienta a forma como os credores, voluntária e coletivamente, lidam com as dificuldades dos devedores. Seus princípios fundamentais preveem que informações financeiras confiáveis sobre o devedor estejam disponíveis e sejam compartilhadas entre os credores, que trabalham coletivamente para resolver a questão e compartilham, em par de igualdade, o ônus de eventuais concessõesxiii. A abordagem de Londres requer uma cooperação significativa dos credores, algo que pode estar faltando em algumas jurisdições. Uma maneira eficaz de facilitar a reestruturação em um contexto em que haja menos coesão dos credores é fazer com que os tribunais aprovem acordos extrajudiciais e vinculem os credores a tais acordos (uma abordagem adotada na França, por exemplo). Outra possibilidade é a utilização de um contrato entre credores que defina as regras para o processo de reestruturação. Um exemplo recente dessa abordagem são os Acordos-Quadro de Reestruturação Financeira atualizados da Turquia, que consistem em um modelo de corregulamentação sujeito à supervisão do regulador e com um papel mais limitado para os tribunais (e, talvez por isso, mais atraente para países com um sistema Judiciário mais frágil ou com capacidade limitada).
Procedimentos judiciais e extrajudiciais acessíveis para pequenas empresas
A crise econômica causada pela Covid-19 teve um impacto desproporcional nas micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) devido aos níveis mais baixos de capital disponível e à maior exposição a setores vulneráveis, o que é típico dessas empresas. As pequenas e médias empresas frequentemente carecem de recursos e experiência para compreender e utilizar sistemas de insolvência complexos e custosos de maneira eficaz. Ao exacerbar esses problemas estruturais, os impactos da pandemia foram maiores para as pequenas empresas que para as grandes. De acordo com a pesquisa Business Pulse Survey do Banco Mundial, entre junho e setembro de 2020, 48% das MPMEs (53%, considerando apenas as microempresas) relataram atrasos ou expectativas de atraso no prazo de seis meses, ao passo que as grandes empresas em situação semelhante totalizavam 36% (figura 3.2). Além disso, 83% das MPMEs (84% das microempresas) relataram vendas mensais inferiores às do ano anterior, em comparação com 73% das grandes empresas (figura 3.3).