Fonte: Equipe do RDM 2022, com base em Feyen e Mare (2021). Observação: A figura ilustra o aumento, em pontos percentuais e em nível de país, nas taxas de empréstimos inadimplentes (NPL) capaz de eliminar as reservas de capital dos bancos equivalentes a pelo menos 20% dos ativos do sistema bancário (ver Feyen e Mare, 2021). Os valores mais altos denotam uma maior capacidade de absorver aumentos de NPLs. A linha horizontal que subdivide cada caixa é o valor mediano de cada grupo. A altura da caixa é o intervalo interquartil. Os bigodes abrangem todos os dados dentro do intervalo interquartil de 1,5 do quartil mais próximo. O gráfico (a) apresenta a distribuição por país do aumento, em pontos percentuais, da taxa de inadimplência nas regiões do Banco Mundial. O gráfico (b) ilustra a distribuição por país do aumento, em pontos percentuais, da taxa de inadimplência conforme o nível de renda dos países. Os dados bancários subjacentes incluem até o terceiro trimestre de 2020. EAP = Leste Asiático e Pacífico; ECA = Europa e Ásia Central; LAC = América Latina e Caribe; MENA = Oriente Médio e Norte da África; SAR = Sul da Ásia; SSA = África Subsaariana.
|
Embora as preocupações com NPLs muitas vezes se concentrem nos bancos formais, as instituições de microfinanças (IMFs) que atendem principalmente famílias de renda baixa e micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), especialmente em mercados de renda baixa, enfrentam desafios semelhantes. No final de 2021, observou-se que as IMFs resistiram à pandemia melhor do que se esperava inicialmente, mas a situação é fluida, e as pressões sobre a qualidade dos empréstimos podem aumentar à medida que forem encerradas as moratórias de crédito e vencerem os empréstimos reestruturados. A estratégia delineada aqui e no capítulo 2 para apoiar a identificação e gestão oportunas dos NPLs aplica-se — essencial ou especificamente — às IMFs. Seguem os elementos-chave da estratégia.
Aprimoramento da transparência e redução dos incentivos para medições incorretas
Um primeiro passo importante é a definição, por parte de reguladores e supervisores, de regras e mecanismos de enforcement eficazes que apoiem maior transparência sobre a saúde dos balanços patrimoniais dos bancos. Isso é desafiador mesmo nos melhores momentos, e ainda mais difícil na crise atual devido à incerteza sobre as perspectivas econômicas e à extensão e persistência das perdas de renda de famílias e empresas. O uso generalizado de moratórias da dívida e outras medidas de apoio reduziu a comparabilidade das métricas de NPLs entre os países e dentro deles, bem como ao longo do tempo. Para aumentar a transparência, o uso, por parte de bancos e supervisores, de definições internacionalmente acordadas de exposições inadimplentes e diferidas [nonperforming and forborne exposures] é fundamental para monitorar e avaliar a qualidade dos ativos dos bancos de maneira consistente, entre diferentes jurisdições e dentro delas, bem como para facilitar soluções oportunas para problemas crescentes relacionados à qualidade dos ativos. A flexibilização das definições regulatórias obscurece os verdadeiros desafios relacionados à qualidade dos ativos bancários e, portanto, deve ser evitada.
Definições regulatórias robustas devem ser sustentadas por uma supervisão bancária eficaz. Os supervisores bancários, responsáveis por fazer cumprir essas definições regulatórias, também devem garantir que os bancos cumpram as regras prudenciais. À medida que aumenta a pressão sobre a qualidade dos ativos bancários, eles têm incentivos para disfarçar a extensão de suas dificuldades — na tentativa de evitar uma resposta da supervisão ou do mercado. Frente a esses incentivos, alguns bancos podem explorar brechas regulatórias ou se envolver em práticas questionáveis, como, por exemplo, empréstimos evergreening (ou seja, rolagem de empréstimos para empresas financeiramente frágeis de forma a adiar continuamente o pagamento), supervalorização de garantias ou transferência de empréstimos fora dos balanços patrimoniais, de forma a apresentar um imagem excessivamente otimista acerca da qualidade dos ativos, o que, por sua vez, pode tornar o trabalho de supervisão bancária significativamente mais difícil.
Resolução de empréstimos problemáticos por meio de intervenções regulatórias
Os bancos podem ser incentivados, por meio de várias intervenções de políticas públicas, a intensificar seus esforços para solucionar empréstimos problemáticos. Por exemplo, os supervisores bancários podem exigir que os bancos criem unidades internas dedicadas à recuperação de empréstimos antigos. Essas unidades seriam dotadas do pessoal e dos recursos necessários para aplicar uma metodologia-padrão de avaliação da viabilidade dos mutuários. Dessa forma, um banco pode fortalecer sua capacidade de resolver NPLs de forma rápida e eficiente, mantendo operações bancárias que apoiem a originação de novos empréstimos e lidando com empréstimos problemáticos.
Intervenções de políticas públicas, tais como estratégias nacionais de resolução de NPLs para coordenar esforços de resolução entre as partes interessadas na economia, podem desempenhar um papel útil na aceleração da redução de dívidas inadimplentes. O governo da Sérvia, por exemplo, estabeleceu um grupo de trabalho nacional de NPLs em maio de 2015, após a crise financeira global, quando o índice de NPL do setor bancário atingiu 23,5%. O grupo de trabalho, que incluía representantes dos setores público e privado, elaborou e implementou uma estratégia abrangente para reduzir os NPLs, o que contribuiu para uma queda rápida no índice de inadimplência para um mínimo histórico de 3,4% em setembro de 2020ii.
Embora os bancos sejam os principais responsáveis pela gestão de empréstimos inadimplentes, podem ser necessárias intervenções governamentais mais amplas se o volume de empréstimos problemáticos comprometer a capacidade do sistema bancário de financiar a economia real ou ameaçar a estabilidade do sistema financeiro. Alguns países com experiência em níveis elevados de NPLs criaram empresas públicas de gestão de ativos (AMCs) para administrar empréstimos problemáticos retirados dos balanços patrimoniais dos bancos. Tal medida pode ajudar a restaurar a confiança do público no setor bancário e evitar vendas desnecessárias de ativos a preços excessivamente descontados (fire sales). Na Malásia (Danaharta) e na Espanha (Sareb), foram criadas AMCs públicas em conjunto com programas de recapitalização de bancos com financiamento público. O objetivo era superar as restrições que o governo enfrentava para fornecer capital, sem o qual os bancos teriam sido incapazes de reconhecer, de forma transparente, toda a extensão de sua exposição a empréstimos problemáticos. A justificativa e a eficácia das AMCs públicas dependem das circunstâncias de cada país e da solidez do projeto geral. Trata-se de uma área em que as economias emergentes têm frequentemente enfrentado graves desafios.
Bancos problemáticos
Os esforços para reforçar a transparência, combinados a medidas para fortalecer as reservas de capital dos bancos e exigir que eles desenvolvam a capacidade de lidar operacionalmente com NPLs, muitas vezes podem ajudar a resolver as situações em que bancos enfrentam riscos elevados de insolvência. Em casos raros, no entanto, os bancos podem não conseguir gerir o estresse financeiro associado ao aumento dos NPLs, ou desenvolver um plano de recuperação viável. Essa situação aumenta a urgência da necessidade de desenvolver um forte conjunto de medidas de intervenção precoce para recuperar os bancos em dificuldades e liquidar os que estiverem falindo. Essas últimas devem incluir um regime jurídico que defina as falências de bancos à parte do sistema geral de insolvência e forneça às autoridades uma gama mais ampla de opções antes que os bancos se tornem insolventes. O conjunto de ferramentas necessário também deve incluir poderes para alocar perdas aos acionistas e detentores de passivos não segurados, protegendo, assim, os contribuintes contra perdas do setor financeiro.
As autoridades responsáveis por lidar com bancos em dificuldades devem sempre priorizar soluções capitaneadas e financiadas pelo setor privado. O uso de dinheiro público para resolver uma crise deve ser o último recurso, adotado somente após as soluções do setor privado terem sido totalmente exauridas e apenas para remediar uma ameaça aguda e demonstrável à estabilidade financeira.