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OPINIÃO19 de outubro de 2022

Combate à pobreza: o impacto da inflação no poder de compra das famílias

Novas linhas de pobreza do Banco Mundial ajudam a entender a situação dos mais vulneráveis e a direcionar políticas públicas

Pablo Acosta
Folha de S. Paulo

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Assim que os impactos da Covid-19 sobre as famílias do mundo todo começaram a perder intensidade, surgiu outra crise com efeitos devastadores: a inflação. Em muitos países, os preços de alimentos e combustíveis começaram a subir ainda no segundo semestre de 2021. Em meados de 2022, a inflação anual foi estimada em 9,8% na Europa; 8,5% nos EUA; e 13,9% no Brasil. A inflação prevista para a região da América Latina e Caribe em 2022 é de 12,1%.

A elevação dos preços corrói o poder de compra das famílias e causa insegurança alimentar. No Brasil, os custos com alimentação aumentaram 13,43% nos 12 meses até agosto de 2022, e os alimentos consumidos em casa, 15,63%. Os efeitos de tais itens — que representam entre um quinto e um quarto do consumo das famílias — foram apenas parcialmente aplacados pelo aumento do rendimento médio nominal do trabalho em 2022. Como resultado, estima-se que a insegurança alimentar tenha aumentado em 2022: a projeção é de que 15,5% das famílias estejam em situação de insegurança alimentar grave, em comparação com 9% em 2020.

É nesse contexto que chegamos a mais um Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, também conhecido como Dia do Fim da Pobreza (17 de outubro). À medida que o valor real da renda das famílias se deteriora, seu poder de compra diminui. Em última análise, o monitoramento preciso do progresso dos países em seus esforços de erradicação da pobreza depende de nossa habilidade de medir a capacidade da população de arcar com suas necessidades básicas.

Avaliar adequadamente os custos das necessidades básicas é fundamental para rastrear e monitorar a pobreza.

Por muito tempo, uma importante atribuição do Banco Mundial tem sido desenvolver conhecimentos para embasar a formulação de políticas públicas que promovam o crescimento inclusivo e sustentável. É devido a esse fato, em parte, que o Banco Mundial se tornou o guardião do indicador de pobreza extrema — a medida usada para monitorar a meta 1.1 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 1: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

No mês passado, o Banco Mundial atualizou o indicador usado para rastrear a pobreza extrema, bem como as linhas de pobreza que usa para monitorar a privação monetária em países com níveis mais elevados de desenvolvimento. A atualização foi feita por dois motivos principais.

Primeiramente, graças à disponibilidade de informações sobre preços em 2017 para uma vasta gama de países (o chamado Programa de Comparação Internacional, ou ICP), o que resultou na publicação dos fatores de paridade do poder de compra (PPC) de 2017. Esses fatores permitem a comparação internacional do valor de determinada cesta de produtos em diferentes países. Ao incorporar os custos de vida específicos de cada país, eles apresentam uma visão mais completa que apenas as taxas de câmbio. A PPC de 2017 também incorporou melhorias na qualidade dos dados de preços.

Em segundo lugar, a nova divulgação melhora a metodologia usada para calcular as linhas de pobreza. A nova metodologia tem várias vantagens, como, por exemplo, o uso das linhas de pobreza calculadas pelos institutos nacionais de estatística de cada um dos cerca de 30 países de renda baixa como principal referência para o cálculo da pobreza extrema. Essa abordagem baseia-se na avaliação mais preciso da privação econômica capturada pelo contexto local nesses países.

Embora seja tentador crer que uma revisão das linhas de pobreza seja capaz de alterar os marcos da pobreza extrema (por exemplo, conforme expresso pela Comissão Atkinson sobre a Pobreza Global), uma revisão minuciosa identificou mudanças muito pequenas em relação às linhas de pobreza anteriores.

O que isso significa para o Brasil?

Entre 2011 e 2017, período entre os dois cálculos de PPC, muitos países viram seus custos de vida aumentar. Os valores para as linhas de pobreza baseadas na PPC de 2017, recentemente publicadas, visam refletir esse fenômeno. A linha internacional usada para medir a pobreza extrema é de US$ 2,15 por pessoa por dia, enquanto a linha de pobreza para países de renda média-alta é de US$ 6,85. Essas linhas equivalem a R$ 6,01 (em preços de 2021) por pessoa por dia e a R$ 19,16 (em preços de 2021) por pessoa por dia respectivamente.

As novas linhas nos dão uma visão melhor sobre a situação das pessoas mais vulneráveis. Apesar da pobreza extrema no Brasil ter caído temporariamente para 1,9% em 2020 - uma das taxas mais baixas da região da América Latina e Caribe - estima-se que ela tenha voltado a atingir 5,8% em 2021. Por sua vez, o limite de renda média alta indica que, usando as estimativas atualizadas da paridade do poder de compra, 18,7% da população vivia com menos de US$ 6,85 em 2020 (considerando PPC de 2017). Embora uma grande parte da população tenha sido protegida durante a pandemia, a nova linha sugere que cerca de 11,8 milhões de pessoas a mais não conseguiram custear suas necessidades básicas nesse período. Além disso, o mercado de trabalho desaquecido e a eliminação do Auxílio Emergencial podem ter contribuído para o aumento para 28,4% no ano seguinte (2021). No entanto, a linha de US$ 6,85 realmente reflete a pobreza monetária? De fato, a linha internacional de US$ 6,85 é mais adequada para identificar os pobres e vulneráveis no Brasil. Essa linha equivale aproximadamente a R$ 583 por pessoa ao mês, um pouco acima de R$ 550 que é o teto de renda para que as famílias possam se inscrever no Cadastro Único e ser consideradas aptas a receber assistência governamental.

Vale a pena fazer uma menção final. As linhas de pobreza globais são usadas principalmente para rastrear a pobreza extrema global e medir o progresso em relação às metas globais estabelecidas pelo Banco Mundial, as Nações Unidas e outros parceiros de desenvolvimento. No entanto, a linha nacional de pobreza de cada país ainda é a ferramenta mais apropriada para embasar o diálogo sobre políticas públicas ou direcionar programas para alcançar os mais pobres. Como o Brasil atualmente não tem uma linha de pobreza oficial, a atual pressão inflacionária sobre o bem-estar das famílias pode ser uma boa razão para iniciar um diálogo sobre a importância de se definir uma.

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Esta coluna foi escrita em colaboração com Gabriel Lara Ibarra, economista sênior do Banco Mundial.

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