Skip to Main Navigation
REPORTAGEM13 de janeiro de 2025

Medir, avaliar, acelerar: a receita de Salvador para enfrentar os muitos desafios da educação pública

The World Bank

Estagiária do Programa de Apoio à Aprendizagem (PAAP) dá aula na Escola Iacy Vaz Fagundes, em Salvador

Fotos: Mariana Ceratti/Banco Mundial

Projeto Salvador Social catalisou iniciativas para melhorar a aprendizagem entre os alunos mais vulneráveis, aproximar as famílias da escola e equipar os espaços de ensino

Uma visita à Escola Iacy Vaz Fagundes, um prédio espremido em uma travessa do bairro da Federação, em Salvador, revela rapidamente os obstáculos vividos pelos estudantes mais vulneráveis da capital baiana. Em uma sala de aula, uma estagiária do Programa de Apoio à Aprendizagem (PAAP), da Prefeitura, trabalhava com duas meninas entre 9 e 10 anos. Apesar de já estarem em idade de conseguir ler e interpretar um texto simples, elas não associavam nem sequer o som da vogal A a palavras iniciadas com ela: aula, amor, abacaxi, açúcar.

É impossível assistir a um momento desses sem pensar nos tipos de empregos que as meninas terão e na vida que viverão caso continuem com dificuldades para absorver os fundamentos da leitura, sem os quais fica difícil aprender o resto.

Em outra sala, com carteiras organizadas em forma de círculo, quatro garotos – com média de 17 anos – conversavam com o professor sobre inteligência artificial e direitos humanos depois de assistirem a programas educativos em uma televisão. Finalmente, eram chamados para responder algumas perguntas por escrito no quadro. Chamava a atenção o esforço para tentar dar a melhor resposta possível, mesmo em letras minúsculas (por medo ou vergonha de errar) ou com incorreções na grafia das palavras.

Esses alunos fazem parte do programa Chegando Junto, que reúne alunos com ao menos dois anos de ensino atrás do que seria apropriado para a idade, com o objetivo de criar uma turma com perfil mais próximo, permitindo ao professor dedicar mais atenção às dificuldades dos estudantes. Os alunos que completam satisfatoriamente o programa recebem um certificado de conclusão do ensino fundamental, abrindo portas para o ensino médio. Espera-se com essa iniciativa não apenas reduzir os índices de distorção entre idade e série na rede pública, mas retomar nos jovens o gosto pelos estudos e incentivá-los a prosseguir.

Em 2019, quatro a cada 10 alunos matriculados entre o sexto e o nono ano apresentavam ao menos dois anos de atraso em relação à série apropriada para sua idade. Os resultados do Chegando Junto ainda estão por vir, mas a expectativa é reduzir a distorção idade-série quase pela metade, ou seja, de 42% em 2019 para 23% em 2024.

Nossa frequência só voltou ao normal em 2023
Image
Michele Checucci
Diretora da Escola Iacy Vaz Fagundes

Corrigindo distorções

O PAAP e o Chegando Junto têm dois elementos em comum. Em primeiro lugar, buscam fazer com que o ensino se torne compatível com o nível de aprendizagem dos alunos. Em segundo, foram apoiados pelo Projeto Salvador Social, da prefeitura da capital baiana, com apoio do Banco Mundial. Desde a aprovação, em dezembro de 2017, o projeto catalisou essas e outras iniciativas necessárias para melhorar a qualidade da educação no município, ao mesmo tempo em que investiu na saúde e na assistência social.

Corrigir as distorções entre idade e série é e continua sendo um desafio na rede pública de educação de Salvador. Depois do projeto, nas escolas municipais, a proporção de alunos com um nível adequado de alfabetização e numeramento no fim do segundo ano do ensino fundamental aumentou de 26,32% em 2017 para 49% em dezembro de 2023 (a meta do Projeto Salvador Social era de 45%). Os avanços poderiam ter sido ainda maiores se não fosse pela pandemia de Covid-19, que afastou os alunos das escolas por quase três anos. “Nossa frequência só voltou ao normal em 2023”, conta Michele Checucci, diretora da Escola Iacy Vaz Fagundes.

Em meio a tantas adversidades, uma boa notícia é que, com apoio do Salvador Social, a rede pública de educação também passou a mensurar melhor os resultados do próprio trabalho.

A iniciativa ajudou o município a implementar o Programa Salvador Avalia (PROSA), criado em 2013 e usado para munir os professores com informações sobre o desempenho dos alunos do segundo, terceiro, quinto e nono anos. Desde 2022, o PROSA passou a ser aplicado anualmente, do primeiro ao nono ano do ensino fundamental.

Para que a avaliação de aprendizagem seja usada como diagnóstico para orientar as políticas educacionais, é preciso que muitos alunos participem. Só assim ela refletirá a realidade da rede. Por isso, é relevante observar que, em outubro de 2023, em 92% das escolas de ensino fundamental de Salvador, pelo menos 80% dos alunos estavam fazendo o exame PROSA. A meta do Salvador Social era 72% das escolas.

“A partir das avaliações do PROSA, conseguimos ver os impactos dos programas de apoio à aprendizagem (como o PAAP e o Chegando Junto). Podemos verificar se o aluno está evoluindo no decorrer do ano, temos a possibilidade de realocar profissionais e ver onde estão os maiores gargalos”, explica Rafael Salles, gerente setorial da Secretaria Municipal de Educação de Salvador.

Dados obtidos por meio do PROSA 2023 revelam que 50% dos alunos do quinto ano do ensino fundamental apresentam desempenho abaixo do adequado em Língua Portuguesa. No nono ano, entre 100 alunos, 77 exibem conhecimentos abaixo dos esperados para a série. Para superar este cenário, outro indicador que está sendo monitorado pelo Projeto é o percentual de alunos não leitores no 5o ano. A expectativa, até o final do projeto, é reduzir este número para 7%.

The World Bank

Ouvindo a comunidade

Em outra escola municipal, a Criança Feliz, é possível conhecer mais um sistema de monitoramento: o Indique, que serve para a educação infantil e também apoiado pelo Salvador Social. Trata-se de uma autoavaliação que reúne professores, diretores e famílias e tem como objetivo provocar uma reflexão coletiva, encaminhar demandas, tomar decisões, gerar processos de mudança e resolver problemas, tudo com vistas a melhorar a qualidade do atendimento às crianças.

“O Indique foi criado pelo Ministério da Educação, Salvador adaptou à sua realidade e agora, após a pandemia, esse trabalho está sendo divulgado no Brasil”, comemora Salles.

Em 2024, 221 escolas participaram da avaliação. A expectativa é de que mais 150 estejam presentes em 2026.

Na opinião das famílias dos estudantes, o Indique traz a chance de se fazer escutar. “Nós somos participativos. O Indique faz perguntas significativas e nos dá a oportunidade de falar sobre o que estamos precisando”, elogiam a dona de casa Carine Gonçalves e o vigilante Paulo Victor Souza (na foto acima), pais de Yuri, 4 anos.

“Meu filho veio de uma escola particular, onde sofreu preconceito por ser autista. Aqui, ele foi muito bem acolhido e até se desenvolve mais do que na terapia”, emociona-se a mãe.

Para a escola ficar ainda melhor, Carine e Paulo Victor apresentaram a sugestão de uma sala multifuncional – com equipamentos e atendimento próprios para pessoas neurodivergentes ou com deficiência –, chuveiros e ar-condicionado.

“Considero o Indique muito importante na rede e na escola, porque é o momento em que podemos ser avaliados. Precisamos estar abertos a críticas, porque estamos em constante aprendizagem”, conta Lídice Vilas Boas Rodrigues, diretora da Escola Municipal Criança Feliz. “Nem sempre cabe a nós, da escola, resolver as demandas trazidas pelos pais, mas encaminhamos todas para a Secretaria de Educação”, completa.

“Um elo entre todas as iniciativas de Salvador é o seguinte: as ações no ensino fundamental buscam principalmente desenvolver o potencial dos alunos, seja por meio da identificação (PROSA), seja por meio da recuperação de lacunas de aprendizagem (PAAP, Chegando Junto). Já as ações na educação infantil, ao fortalecer o monitoramento da qualidade, permitem estabelecer os fundamentos para que a criança seja alfabetizada na idade certa e tenha um percurso escolar de sucesso”, comenta Louisee Cruz, consultora do Banco Mundial especialista em educação.  

Ainda há muito a avançar, mas agora Salvador e suas famílias contam com um conjunto sólido de dados e informações, além de programas de apoio que permitem atuar de maneira focalizada e apoiar cada aluno a desenvolver seu potencial.

Blogs

    loader image

Novidades

    loader image