Skip to Main Navigation
REPORTAGEM7 de outubro de 2024

A tecnologia leva oportunidades de inclusão para os jovens rurais do Ceará

The World Bank

Filho de artesãos, Victor Alan aprendeu a fazer peças de renda filé quando menino

Foto: Drawlio Joca/Divulgação

Um dos desafios para a inclusão social em projetos de desenvolvimento é tornar os potenciais benefícios acessíveis aos grupos mais vulneráveis. Em um país tão diverso e vasto como o Brasil, são necessárias abordagens adaptativas, flexíveis e inovadoras, construídas de forma participativa a partir das realidades locais.

Os desafios variam desde o tamanho do território até o acesso à internet, com apenas 22% dos brasileiros de 10 anos ou mais com conectividade satisfatória. Isso aumenta a desigualdade no acesso à educação, com metade da população com mais de 25 anos sem o ensino médio completo. Particularmente nas áreas rurais, onde viviam 15% dos brasileiros de 16 a 29 anos, esse número sobe para 24,8% no Nordeste, a maior desigualdade do país.

O êxodo rural, especialmente entre os jovens, é um grande desafio para a sustentabilidade de projetos no campo. A redução da população rural do Brasil é quase o dobro da média global, com uma redução de 33,8% entre 2000 e 2002, em comparação com os 19,2% globais.

Esse contexto levou o Projeto de Desenvolvimento Rural e Competitividade Sustentável do Ceará Fase II, conhecido como São José IV, a identificar as principais barreiras à inclusão dos jovens e à promoção de oportunidades de desenvolvimento social sustentáveis.

O Edital São José Jovem 

Em 2020, uma série de ações foram elaboradas exclusivamente para jovens do meio rural, especialmente na agricultura familiar, considerando gênero e outros grupos prioritários como povos indígenas, quilombolas, negros, pescadores artesanais e outras comunidades tradicionais.

O resultado foi uma iniciativa pioneira de inclusão social: o Edital São José Jovem, que apoia atividades não agrícolas e fomenta a liderança por meio da transferência direta de recursos para jovens sem intermediários. Historicamente, os projetos rurais no Brasil apoiam coletivamente organizações de produtores e cooperativas.

A estratégia foi organizada em três etapas. A primeira envolveu o cadastro e a manifestação de interesse. Quatrocentos foram selecionados para a segunda fase, que incluiu capacitação em empreendedorismo, planejamento de projetos e gestão para iniciativas agrícolas e não agrícolas. Por fim, foram escolhidos 297 projetos de intervenção entre os que concluíram a capacitação.

Os projetos de intervenção receberam apoio técnico e financeiro, com desembolso de até US$ 3.000 por projeto. 286 jovens concluíram as três etapas da chamada. A iniciativa São José Jovem investiu US$ 900.000 em projetos individuais de jovens que concluíram a capacitação e desenvolveram projetos de investimento viáveis.

Ao fornecer financiamento direto a iniciativas individuais, o edital tornou-se uma ferramenta transformadora, capaz de mudar a perspectiva de vida desses jovens, de aproveitar oportunidades e de acreditar em seus sonhos.

Foi assim que Victor Alan, de 24 anos, acabou nas passarelas da São Paulo Fashion Week 2024 apresentando sua arte em renda filé na coleção da marca Catarina Mina. Após receber apoio do Edital São José Jovem, Victor investiu em sua arte. Ele é um dos poucos artesãos que ainda trabalham com essa técnica antiga e laboriosa.

No último levantamento, éramos mais de 8.000. Hoje vemos menos, porque é difícil de fazer, demora para receber e muitas vezes o dinheiro é pouco
Victor Alan
Artesão especializado na renda filé

Os jovens selecionados desenvolveram iniciativas para gerar renda envolvendo atividades agrícolas e não agrícolas, que estão sendo implementadas em 87 municípios do Ceará.

Iniciativa São José Jovem chegou a 87 municípios do Ceará

Inovação

O edital introduziu um formato de inscrição diferenciado. Os jovens foram convidados a contar sua história por meio de um vídeo, explicando como o projeto poderia mudar suas vidas. Além disso, durante a pandemia da Covid-19, a manifestação de interesse ocorreu online, por meio de formulário específico.

Essa estratégia permitiu que jovens com baixo nível de escolaridade e pessoas com deficiência se inscrevessem. Um jovem com deficiência visual e um com deficiência auditiva foram selecionados, marcando um ponto de virada para o projeto. Posteriormente, foram desenvolvidas outras ações de acessibilidade, como audiodescrição e interpretação em libras.

The World Bank

Fotos: Gabriel Hoewell/Divulgação e Sabrina Bizungais/Divulgação

 

Fabiene Evangelista Lopes (acima, à esquerda), uma das jovens selecionadas, recebeu financiamento e assistência técnica para um apiário. “No começo parecia difícil, mas pensei que seria bom enfrentar. Decidi lutar até o fim. E aqui estou”, diz Fabiene, que se identifica com orgulho como apicultora.

Agora, com 100% de implementação do projeto, Fabiene tem todos os equipamentos de proteção necessários para montar o apiário de sua família e sonha em ter sua própria casa de mel. Com uma produção média de 400 quilos de mel por mês por período de floração, dividida com um sócio, a apicultura representa metade da renda familiar.

Sabrina Bizungais é a criadora da Flor do Sertão, um negócio rural e sustentável focado na produção de alimentos orgânicos e agroecológicos, além de plantas ornamentais. “Encontrei inúmeros desafios no mercado de trabalho formal. A maioria deles enfrentados por grande parte dos jovens do campo - a falta de oportunidade, incentivo e apoio para permanecer nas áreas rurais”.

No São José Jovem, Sabrina propôs o desenvolvimento de um sistema de rastreabilidade que visa aliar a tecnologia à vida no campo. Com os recursos do Projeto, ela construiu uma estufa estruturada com climatização e controle do ambiente para evitar a perda de mudas na comunidade.

Lições aprendidas

1. Inclusão requer engajamento

Ouvir as diferentes realidades dos jovens do campo por meio de um amplo processo de engajamento é fundamental. Por isso, o São José IV adotou o termo “jovens”, reconhecendo a pluralidade e diversidade de experiências. Ao final da fase anterior, as lições aprendidas foram discutidas como parte do processo de engajamento das partes interessadas. Quando questionados sobre o que poderia ser melhorado em um projeto futuro, a resposta imediata foi incluir, capacitar e apoiar negócios individuais de jovens. Assim, o edital atendeu às demandas dos beneficiários.

2. Criatividade, ousadia e persistência

O caminho muitas vezes é novo e cheio de desafios desconhecidos, por isso precisa ser criado enquanto se anda. A transferência direta de recursos financeiros para jovens sem entidades intermediárias foi inédita tanto no projeto quanto no estado do Ceará, bem como em projetos agrícolas apoiados pelo Banco Mundial no Brasil.

Foi preciso ousadia para estabelecer leis e regulamentos específicos de apoio aos jovens do campo, garantindo respaldo legal para as transferências diretas de recursos. O resultado foi uma mudança de paradigma para todas as ações governamentais voltadas aos jovens - um passo monumental.

3. Escala e continuidade

Alcançar o maior número possível de beneficiários significa não deixar ninguém para trás. Dada a escassez de recursos, isso nem sempre é possível. Por isso, a estratégia de inclusão do Projeto São José é considerada piloto. Eles planejam, implementam e avaliam.

O objetivo final é mostrar que viver e trabalhar no campo é viável, destacando os jovens exemplos na comunidade. Pela primeira vez, o Estado reconhece o jovem rural como um grupo específico que merece atenção. Superar os desafios mostra que desenvolver políticas públicas para esses segmentos, especialmente os jovens, é possível e crucial para a sustentabilidade rural.

Blogs

    loader image

Novidades

    loader image