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REPORTAGEM1 de julho de 2024

Empreendedores da floresta mostram ao mundo todo o potencial da Amazônia

Roberto Brito de Mendonça

Roberto Brito de Mendonça, da comunidade do Tumbira, Brasil

Fotos: Mariana Ceratti/Banco Mundial

No Amazonas, a exploração sustentável dos recursos naturais proporciona renda e novas descobertas para as comunidades locais. O Banco Mundial apoiou e seguirá impulsionando essas oportunidades

Como o pai e o avô, o líder comunitário Roberto Brito de Mendonça, 48 anos, da comunidade do Tumbira, foi madeireiro. Por 26 anos, ele dormiu incontáveis noites na floresta, muitas vezes passando fome. Durante o dia, serrava troncos que pudessem lhe render um valor razoável no mercado. Ele deixou a atividade em 2010, depois que o Programa Bolsa Floresta (PBF), uma política pública do estado do Amazonas, trouxe recursos e capacitação para a comunidade estruturar negócios sustentáveis de base comunitária, como a cadeia de valor do turismo.

Hoje, o local ‒ a 64km de Manaus ꟷ conta com uma pousada que oferece três refeições diárias com os ingredientes mais saborosos da Amazônia, além de passeios e wi-fi. “Trabalhar de uma forma diferente foi um grande desafio para mim, mas pude ver as coisas acontecendo de forma positiva. Começamos a ter uma alternativa econômica”, conta Roberto. Ele descreve o Tumbira daquela época, com 25 famílias, como “muito fragilizado”, mas aos poucos todos constataram resultados inéditos: “Vimos acontecer a educação dentro da comunidade... O turismo gerou renda e conforto, além da chance de dormir em casa e comer todo dia”.

Também no Tumbira, há um ateliê à beira do Rio Negro onde Izolena Garrido cria e vende biojoias coloridas, feitas com sementes e outras matérias-primas da floresta. A professora e artesã guarda na ponta da língua fatos e datas importantes para a conquista de melhores condições de vida na comunidade, desde os anos 1980 até os dias atuais. 

Izolena Garrido

"Nós tivemos um grande alavancamento na área do artesanato e a vida das pessoas melhorou. É muito agradável quando você ouve alguém contar que está ganhando muito mais na sombra do que cortando árvore no mato”, orgulha-se. O mais importante agora, na opinião dela, é que as comunidades do Amazonas consigam andar com as próprias pernas. “É crer que ‘sim, eu sou capaz. Eu posso, com ou sem investimento, continuar sendo o empreendedor da floresta. Eu vou continuar sendo aquela pessoa que acredita nos propósitos e que pode manter a floresta em pé’”, diz ela, com entusiasmo.

Vale destacar que o Tumbira faz parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, uma área protegida estadual onde as famílias têm o direito de uso da terra, o que lhes assegura a oportunidade de realizar atividades econômicas sustentáveis e buscar investimentos.

A RDS foi criada com apoio do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), com recursos do Fundo Ambiental Global (GEF, em inglês), que tem o Banco Mundial como agência implementadora. O programa, que acaba de completar 22 anos, vem financiando a reserva e as comunidades com aportes anuais nos últimos 16 anos. Em todo o estado do Amazonas, o ARPA apoia 46 áreas protegidas, sendo 24 estaduais e 22 federais, além de apoiar ações estruturantes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Valorização das comunidades

As histórias de Roberto e Izolena estão entre os casos de sucesso do Bolsa Floresta, instituído em 2007 e implementado desde 2008 pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), com o objetivo de recompensar as populações tradicionais que assumirem o compromisso formal do desmatamento zero. A iniciativa apresenta quatro componentes: renda, associação, familiar e social.

O PBF Renda apoia pequenos empreendimentos visando a desenvolver arranjos produtivos sustentáveis. O Associação capacita as associações de moradores para gerir empreendimentos coletivos na área da bioeconomia, que engloba atividades como turismo de base comunitária, pesca, artesanato, cultivo do cacau e da castanha do Brasil e produção de óleos vegetais.

Já o Bolsa Floresta Familiar iniciou-se com o pagamento mensal direto de R$ 50 às mães das famílias ribeirinhas residentes nas unidades de conservação da floresta. A família assume os compromissos de não abrir novas áreas de roçado em florestas primárias; manter os filhos na escola; participar das associações e de oficinas de capacitação em mudanças climáticas e serviços ambientais. Por último, o Bolsa Floresta Social engloba investimentos em educação, saúde, comunicação e transporte, a partir de demandas da população local.

O Banco Mundial passou a apoiar o Bolsa Floresta – hoje chamado de Guardiões da Floresta – em dezembro de 2020, como parte do Primeiro Financiamento de Políticas de Desenvolvimento Programático de Sustentabilidade Fiscal e Ambiental do Estado do Amazonas (Amazonas DPF), encerrado dois anos depois. Com o empréstimo, de US$ 200 milhões, o Amazonas tomou medidas para reorganizar as contas públicas (como a reforma da previdência estadual), dar mais transparência à administração (como a criação do portal e-Obras) e reforçar a preservação do meio ambiente. Além disso, o estado avançou no preparo de um sistema REDD+ para o estado e de concessões florestais.

Os recursos também foram usados para levar os benefícios do Guardiões da Floresta para 14.500 famílias, ante as 9.602 do início do Amazonas DPF, permitindo a implementação de infraestrutura comunitária ꟷ  como a construção de pequenos portos fluviais ꟷ no interior do estado.

Na avaliação do gerente do projeto no Banco Mundial, Werner Kornexl, o apoio aos pagamentos por serviços ambientais ꟷ  realizado pelo componente familiar do Guardiões da Floresta ꟷ é uma das várias ações que valorizam o trabalho as comunidades que vivem da bioeconomia. “Sentir que o Estado e outras instituições estão chegando lá é um reconhecimento muito importante”, ressalta.

A transição da ilegalidade para uma bioeconomia sustentável demanda uma gama de ações. Entre outras, oferta de crédito público, direito ao uso da terra, digitalização, saúde, educação e energia sustentável. Infelizmente, isso não vai acontecer de hoje para amanhã. Vai requerer um processo, e, nesse meio tempo, o pagamento por serviços ambientais será fundamental para permitir uma transição para uma economia mais sustentável
Werner Kornexl
Gerente do projeto Amazonas DPF no Banco Mundial
Ana Lice Chagas

Ana Lice Chagas (primeira da direita para a esquerda) e sua família

Próximos passos

Aos 17 anos, Ana Lice Chagas contribui para construir um futuro inclusivo e sustentável para a economia da Amazônia. Prestes a terminar o ensino médio no Tumbira, em uma escola beneficiada pelo Bolsa Floresta, ela sonha em continuar estudando, mas não em uma universidade. “Prefiro aprender inglês e outros idiomas para receber melhor as pessoas que vêm nos visitar”, conta ela, que ajuda a apresentar para turistas brasileiros e estrangeiros a produção tradicional da farinha de mandioca.

Além do turismo, ela participa da cadeia produtiva do cupuaçu, fruta amazônica que pode ser degustada in natura, em sucos ou sorvetes, mas não só. Na pequena propriedade onde a jovem mora, produz-se a matéria-prima para o cupuaçu cristalizado e o cupulate. Esse último é feito com os caroços secos, torrados e descascados, que ganham sabor de chocolate, com notas de café e nozes. Trata-se de produtos feitos em pequena escala, mas que se juntam a tantos outros capazes de mostrar o potencial biológico e criativo da Amazônia.

Para continuar impulsionando os empreendedores da floresta, um novo projeto está em preparação pelo Banco Mundial com o Amazonas. O trabalho deve incluir, entre outras atividades, uma revisão da legislação estadual sobre bioeconomia, a reforma do ICMS Ecológico – que recompensa os esforços dos municípios na conservação do meio ambiente – e a estruturação do REDD+, um mecanismo para remunerar as comunidades que mantenham suas florestas em pé, sem desmatar.

O projeto também prevê o fortalecimento institucional de órgãos ambientais estaduais, levando em conta as políticas públicas necessárias para adaptação às mudanças climáticas. São todas melhorias bem-vindas não só pelas comunidades próximas de Manaus – como as de Roberto, Izolena e Ana Lice –, mas também para quem está mais distante do poder público.

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