O Rio Amazonas corre por mais de 6.600 km e, junto com os seus afluentes e riachos, contém o maior número de espécies de peixes de água doce do mundo. A pesca tem um papel importante na economia local da Amazônia, tanto para o sustento quanto para a subsistência.
No estado do Amazonas, no noroeste do Brasil, a pesca excessiva e a pesca esportiva ameaçam o setor pesqueiro. Muitas embarcações comerciais, por exemplo, se aproveitam do afrouxamento das leis ambientais e da baixa capacidade de monitoramento— que piorou ainda mais, dada a limitação dos governos locais de operar durante a pandemia da Covid-19. As espécies mais ameaçadas são o pirarucu gigante (Arapaima gigas), o tambaqui (Colossoma macropomum), que se alimenta de frutos e sementes, e o tucunaré (Cichla ocellaris).
Além de ameaçar a subsistência, a pesca excessiva e a pesca esportiva também afetam os estoques pesqueiros e os tamanhos dos peixes, pois os ciclos de crescimento e desenvolvimento são interrompidos quando eles são capturados durante o período de reprodução.
O Projeto Paisagens Sustentáveis da Amazônia (ASL Brasil), financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (Global Environmental Facility (GEF) e liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente do estado do Amazonas (SEMA-AM), a Conservação Internacional, e o Banco Mundial está capacitando as comunidades do Amazonas para fortalecer a governança e o manejo da pesca a fim de promover a pesca sustentável e a geração de renda.
Em 2020, o projeto ASL Brasil ajudou a estabelecer quatro acordos de pesca nas comunidades do Amazonas, e um quinto acordo deve ser assinado este ano. Esses acordos irão beneficiar aproximadamente 700 famílias e 1.000 pescadores da comunidade. Antes do envolvimento do projeto, algumas comunidades discutiram a necessidade de tais acordos e, em 2011, a SEMA-AM e as comunidades locais firmaram o “Acordo da Ilha da Paciência”.
Os acordos—estabelecidos nas comunidades próximas ao Rio Cuieiras, à Floresta Estadual Canutama, à foz do Rio Tapauá, à Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-purus, e ao Rio Tupana (que deve ser assinado em 2021)—definem as práticas e diretrizes de pesca permitidas para os pescadores locais e os pescadores esportivos e comerciais, visando ao manejo e a recuperação do estoque pesqueiro da região de forma gradativa e o manejo sustentável dos ambientes aquáticos. Além disso, os acordos visam preservar a mata ciliar e outros corpos hídricos.
Elementos do acordo de pesca
As negociações para os acordos de pesca do ASL Brasil começaram em 2019, e, conforme destacou a Coordenadora do Programa ASL, Ana María González Velosa, os principais fatores que contribuíram para o progresso das negociações foram o engajamento da comunidade, o desenvolvimento da capacidade e da relação de confiança entre as comunidades e o governo. As duas principais partes interessadas são as comunidades e a SEMA-AM. Em cada caso, processo teve início quando uma comunidade fez contato com a SEMA-AM, e juntas elas resolveram problemas e definiram os acordos com base em um mapa de zoneamento do ambiente aquático e na contribuição de outras partes interessadas relativa a equipamentos, métodos e volumes de pesca permitidos.
“A abordagem ao processo não foi padronizada e cada comunidade desenvolveu os seus próprios instrumentos de diálogo,” declarou Maria Eliene, técnica e Chefe do Núcleo de Geoprocessamento e Gestão Florestal localizado no Amazonas. Embora a pesca não seja uma atividade tradicionalmente realizada por mulheres, o governo incentivou-as a se envolverem no estabelecimento dos acordos.
Larissa França, que foi consultora técnica e engenheira de pesca na SEMA-AM, comentou que as primeiras reuniões com as comunidades eram predominantemente frequentadas por homens e que levou um tempo até que os moradores se acostumassem com o envolvimento de consultoras técnicas do governo. Quando os acordos começaram a amadurecer, as mulheres da comunidade também passaram a se envolver no processo.
No início, as 100 famílias integrantes da comunidade Tupana ofereceram resistência à proposta de um acordo apresentada pela instituição local Casa do Rio, em maio de 2019—apesar de os moradores locais terem observado a queda no estoque pesqueiro após a construção de uma grande rodovia federal na região (a BR-319), que ameaçava os habitats aquáticos ao facilitar o acesso à pesca esportiva. Maria da Paz, professora e membro da comunidade, mediou o acordo de pesca e tornou-se peça fundamental nas negociações com a SEMA-AM. Ela finalmente obteve o apoio da comunidade quando explicou aos moradores como poderiam se beneficiar e gerar mais renda por meio de um acordo que definiria práticas sustentáveis de pesca e o controle da pesca esportiva.
ONGs, associações, universidades e empresas de pesca esportiva locais também participaram dos diálogos entre as comunidades locais e a SEMA-AM sobre os diferentes acordos. A Secretaria Especial de Políticas Regionais (SEPRE) e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) contribuíram com recursos técnicos e estudos sobre o zoneamento. A SEMA é responsável por monitorar o cumprimento dos acordos, e o IPAAM e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) inspecionam e aplicam multas aos infratores.
Conforme estabelecido nos acordos, as atividades de pesca nas regiões serão analisadas por um período de 3 anos e, dependendo dos resultados, ações poderão ser propostas para aprimorá-las.
Um olhar mais apurado sobre o acordo de pesca do Rio Cuieiras
O acordo de pesca do Rio Cuieiras visava recuperar o estoque pesqueiro, principalmente do tucunaré, com a proibição da pesca esportiva até dezembro de 2021, a fim de permitir o desenvolvimento dos peixes. O acordo—estabelecido entre a SEMA-AM e as comunidades ribeirinhas, incluindo a comunidade indígena Três Unidos—também proíbe o uso de determinados equipamentos e métodos de pesca, tais como a "batição", técnica predatória não sustentável, que consiste em lançar redes no leito do rio, semelhante à pesca de arrasto, que ameaça de maneira indiscriminada as populações de peixes. Aqueles que descumprirem as regras estão sujeitos a penalidades e, se necessário, ações judiciais.
Os resultados estão começando a aparecer
O processo ajudou a fortalecer as comunidades, desenvolver a capacidade e a governança, e fomentar o diálogo e a cooperação entre as comunidades e o governo.
Flávio Ruben, Coordenador de Projeto na Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura (SEPA) e na Secretaria de Produção Rural do Estado do Amazonas (SEPROR), se envolveu no processo dos acordos desde o início. Ele comentou que os conflitos em torno da exploração dos recursos de pesca entre os membros da comunidade, os pescadores urbanos, e os proprietários de frotas diminuíram e que a recuperação do estoque pesqueiro já é visível, principalmente nas áreas onde os acordos visam melhorar o manejo do pirarucu.
Uma etapa futura do projeto ASL Brasil prevê a extensão desses esforços para outras 10 comunidades do estado do Amazonas com base nas lições aprendidas com os acordos já estabelecidos.
“O apoio do ASL Brasil foi fundamental para a troca de informações e a interação com a SEMA-AM, para executar a parte burocrática do processo, e para esclarecer dúvidas e questões técnicas,” declarou Ruben. “Com a recuperação gradual, mais renda será gerada para as famílias beneficiadas com os acordos, promovendo a melhoria da qualidade de vida delas.”
Referências:
Website: Amazon Sustainable Landscapes Program
Reportagem: SEMA apresenta novo acordo de pesca para conservação de espécies no rio Cuieiras
Vídeo: Promoting Sustainable Land and Water Use in the Amazon