Discursos e Transcrições

Aproveitando a Oportunidade da Crise: Fazendo o Multilateralismo Funcionar

31 de março de 2009


Robert B. Zoellick, Presidente, Grupo Banco Mundial Londres, Reino Unido

Conforme preparado para pronunciamento

Introdução

Há quase oitenta anos, um dos grandes economistas do Século XX e importante cidadão inglês de sua época, John Maynard Keynes, compareceu diante de uma comissão do governo britânico. O mundo caminhava pouco a pouco para a Grande Depressão. Em seu testemunho, prestado a alguns quilômetros daqui, Keynes apelou para que seus ouvintes se elevassem acima da limitada visão burocrática para enxergar o quadro mais amplo.

Faltavam ainda seis anos para a publicação da sua obra mais marcante, Teoria Geral, mas ele já estava antecipando suas revelações: “Entramos em um círculo vicioso, não fazemos nada porque não temos dinheiro, mas é exatamente por não fazer nada que não temos dinheiro.”

Keynes queria salvar a economia de mercado e temia as consequências políticas – em uma era de comunismo e fascismo – de não fazê-lo. Seus apelos para que fossem superados os interesses particulares não foram ouvidos. Os governos reagiram de modo ineficaz à Depressão. Os países entregaram-se a políticas competitivas beggar-thy-neighbor, ou de empobrecimento de países vizinhos. E a catástrofe aconteceu.

Contudo, as ideias de Keynes, nascidas da oportunidade forçada pela crise, ainda têm muita influência atualmente. Ele e outros de sua geração criaram o sistema multilateral que ainda permanece e que devemos refazer mais uma vez para tratar dos desafios de nossa era.

O que Keynes e outras pessoas alcançaram, mesmo enquanto a Segunda Guerra Mundial grassava, combinava ideias apoiadas por ações. Eles ajudaram a criar a arquitetura econômica do pós-guerra. Lançaram as pedras fundamentais do Grupo Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e do que mais tarde veio a ser a Organização Mundial do Comércio.

Hoje, não devemos nos esquivar de unir ideias e ações. Em um momento de falta de confiança, precisamos de ações que restaurem a certeza pública de que os governos estão dispostos ao desafio. É mais arriscado fazer de menos do que fazer demais.


A crise atual

Líderes reúnem-se esta semana em Londres em um cenário que não seria estranho para Keynes. A mais recente estimativa do Banco Mundial para o crescimento econômico global em 2009, divulgada hoje, prevê uma retração de 1,7% em comparação com o crescimento econômico de 1,9% no ano passado. Esta seria a primeira queda registrada na economia global desde a Segunda Guerra Mundial. Estamos enfrentando também uma diminuição de 6% no volume do comércio mundial de bens e serviços, a maior redução em 80 anos.

O que começou em 2007 como uma crise financeira, transformou-se rapidamente em uma crise econômica. Hoje é uma crise de desemprego. Estamos prevendo que o ritmo do crescimento econômico dos países em desenvolvimento caia muito este ano, para 2,1%. Esperamos quedas reais na Europa Central e Oriental, Ásia Central e América Latina e Caribe.

Nesta crise, os países em desenvolvimento estão sendo açoitados por ondas sucessivas. Essas ondas são provenientes da aguda contração no crescimento econômico e redução de crédito no mundo desenvolvido. Da mesma forma que a economia global já ajudou a tirar centenas de milhares de pessoas da pobreza, existe hoje o risco de um desenvolvimento ao contrário, já que o nosso mundo interligado transmite choques negativos com maior potência e velocidade.

Os fluxos de capital privado para o mundo em desenvolvimento estão sofrendo uma profunda contração, com queda dos fluxos líquidos em 2009 para cerca de um terço do pico de US$ 1,2 trilhão alcançado há dois anos. As remessas estão caindo, com uma previsão de queda de pelo menos 5% para 2009.

Além disso, algumas ações dos países desenvolvidos, mesmo que compreensíveis, estão aumentando as dificuldades das nações em desenvolvimento. À medida que emitem grandes volumes de débito garantido, os governos dos países desenvolvidos estão excluindo o financiamento para os países em desenvolvimento bem administrados. Os países em desenvolvimento, mesmo aqueles com poucos déficits, ou não conseguem tomar qualquer empréstimo ou têm que enfrentar spreads muito mais elevados.

Calculamos que 84 dos 109 países em desenvolvimento que pesquisamos enfrentam um déficit de financiamento que este ano varia entre US$ 270 e US$ 700 bilhões. As duas grandes interrogações refletidas nesta variação tão ampla são: que volume da dívida privada é rolado e qual a extensão da fuga de capital.

Ao mesmo tempo, a diminuição da procura está reduzindo a produção industrial e os preços em queda dos produtos básicos estão comprimindo a posição fiscal de muitas economias dependentes de exportação. Somente 25% dos países em desenvolvimento têm condições para financiar programas para atenuar os efeitos da recessão.

Esses eventos podem transformar-se em uma crise social e humana com implicações políticas. Concentrou-se maior atenção nos países desenvolvidos, onde as pessoas estão ameaçadas de perder suas casas, seus bens e empregos. São dificuldades reais. Mas os povos dos países em desenvolvimento têm muito menos proteção: não têm poupança, nem seguro ou benefícios relativos ao desemprego e muitas vezes não têm comida.

Calculamos que 53 milhões de pessoas a mais serão aprisionadas pela pobreza este ano, vivendo com menos de US$ 1,25 por dia devido à crise. Isso ocorre após o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis dos últimos anos, que lançou 130 a 155 milhões de pessoas em extrema pobreza, muitas das quais ainda não se recuperaram.

O mundo já estava enfrentando dificuldade para alcançar as oito Metas de Desenvolvimento do Milênio até 2015. Agora, esses objetivos parecem ainda mais distantes. Tomemos o exemplo da mortalidade infantil, uma das causas mais prementes: calculamos hoje que haverá um aumento de 200.000 a 400.000 no número de bebês que morrerão este ano por causa da queda do crescimento.


Ao redor do mundo

Vivemos em um mundo interligado, mas a crise é sentida de forma diferente no planeta.

  • Os países da Europa Central e Oriental podem ser os que correm o maior risco, embora seus níveis de rendimento sejam superiores aos de outros países.  Desde o final da Guerra Fria, as estratégias de crescimento nessa região basearam-se na integração com a União Europeia e na economia global por intermédio do comércio, investimento, deslocamento de pessoas e remessas. Assim, a retirada desses fatores é um golpe particularmente forte.

Ademais, enquanto os países caminhavam para ingressar na Zona Euro, alguns deles contraíram empréstimos internos em euros ou francos suíços, elevando o risco de inadimplemento no caso de queda dos valores das moedas locais. A maioria dos bancos da Europa Central e Oriental é atualmente de propriedade de seus vizinhos do Ocidente, o que eleva o risco de suspensão de apoio. Os empréstimos duvidosos no Ocidente, por sua vez, podem prejudicar os bancos em toda a Europa.

Obviamente é preciso estabelecer a diferença entre os países. Mas a própria lógica da integração europeia – uma das mais bem-sucedidas realizações políticas e econômicas dos últimos 60 anos – sugere que o conjunto europeu só será maior do que a soma de suas partes se os europeus se apoiarem entre si. Da mesma forma, ao longo da história, os países da Europa Central e Oriental tentaram diferenciar suas circunstâncias das dos seus vizinhos e descobriram que as fragilidades de um deles geram perigos para todos.

Mais ao leste, a crise econômica da Ucrânia representa um teste de coerência política e talvez até de sustentabilidade. Os painéis publicitários de Kiev são uma metáfora para o desaparecimento de orientação. Onde há menos de três meses os consumidores eram incentivados a gastar mais, hoje a terça parte desses painéis está vazia, com apenas papelão em branco e metal substituindo as seduções sobre dias melhores.

  • Na Ásia Central, as economias pobres, que estão apenas começando a reabrir a velha “Estrada da Seda” após séculos de isolamento, enfrentam perspectivas sombrias.  No ano passado, as remessas enviadas por trabalhadores migrantes foram responsáveis por 43% do PIB do Tajiquistão e 28% na República Quirguiz. Mas a desaceleração da economia na Rússia e no Cazaquistão farão os trabalhadores migrantes voltarem para casa. No Cazaquistão, o governo espera que o desemprego dobre, chegando a 12% até o final deste ano. Almaty, que já viveu tempos de pujança com a explosão dos rendimentos do petróleo, é hoje uma cidade de obras inacabadas, guindastes parados e prédios fantasmas sem ocupantes – um monumento involuntário a expectativas fracassadas.
  • A América Latina, com princípios fiscais, de moeda e financeiros mais fortes do que no passado, está sentindo a crise primeiramente por intermédio do comércio e da economia real. Enquanto nas economias desenvolvidas os perigos tiveram início nas finanças e se espalharam para a manufatura e outros serviços, o golpe para os países em desenvolvimento está começando com os setores produtivos e poderá depois contagiar os bancos que emprestam para esses setores. O México e a América Central foram atingidos por causa da queda de demanda nos EUA e redução das remessas. A contração dos preços de produtos básicos está prejudicando o Brasil; embora o seu grande mercado interno tenha oferecido alguma proteção, o Brasil ficará cada vez mais limitado se o comércio continuar a cair. Países como o Chile e o Peru aproveitaram anos favoráveis para melhorar suas posições fiscais e de reservas, oferecendo algum conforto, mas uma recessão longa e profunda levará tudo para um espiral de queda. As economias vulneráveis do Caribe estão sofrendo com a retração do turismo.
  • A crise financeira restringiu gravemente a já limitada capacidade de manobra do Sul da Ásia. A Índia perdeu US$ 45 bilhões de suas reservas por causa das saídas de capital, a taxa de câmbio sofreu uma depreciação de mais de 20% e os preços das ações caíram 50%. Os custos sociais também estão se elevando. O governo indiano calcula uma perda de 500.000 empregos no setor formal entre os meses de outubro e dezembro do ano passado. Em Bangladesh, informou-se que no mês passado mais de 4.000 trabalhadores retornaram ao país, que acabou de restabelecer sua frágil democracia. O Paquistão apertou o cinto para continuar com um programa do FMI e seu novo governo luta contra grupos violentos e conflito constitucional.
  • O Leste Asiático foi atingido pela crise através de suas ligações bem desenvolvidas com a terceirização global e suas cadeias de suprimento. Países menores e mais pobres como o Camboja são particularmente vulneráveis a deteriorações de setores e mercados-chave. O Camboja perdeu cerca de 50.000 empregos na indústria de vestuário, seu único setor de exportação relevante. A maioria das mulheres jovens, que foram particularmente beneficiadas pelos empregos no setor de vestuário está atualmente em situação de risco. Famílias de pastores nômades, que ainda constituem um terço da população da Mongólia, viram os preços da caxemira, seu principal produto, cair 40%.

As economias maiores do Leste Asiático também estão enfrentando mudanças substanciais. Na China, calcula-se que 20 milhões de trabalhadores migrantes tenham perdido seus empregos nos setores de manufatura e construção.  Alguns estão voltando para o interior, mas ficam em cidades em vez de retornarem a minúsculos lotes agrícolas. A China lançou um amplo plano de incentivo mas, mesmo assim, estamos prevendo que o crescimento cairá de 9% em 2008 para 6,5% este ano.

  • A África, embora represente uma pequena parcela do comércio e do investimento da globalização, não foi protegida contra a crise mundial. Um funcionário da República Democrática do Congo alertou que 350.000 pessoas podem perder seus empregos na província de Katanga quando as empresas de mineração reduzirem sua produção.  Com os preços do diamante em queda, a República Centro Africana prevê uma redução de 50% em sua receita em comparação a 2008. As remessas estão se esgotando no Quênia. E com a probabilidade de queda rápida na receita do turismo, as perspectivas são sombrias para um país como Seicheles, onde o turismo, sua principal fonte de emprego e capital estrangeiro deverá encolher 25% somente em 2009.
  • Até o momento, os países do Oriente Médio e Norte da África foram menos afetados pela crise de crédito. Mas os reformadores no Maghreb provavelmente perderão turismo proveniente da Europa e mercados de exportação também na Europa. Os países que dependem dos trabalhadores migrantes provavelmente terão que descobrir como lidar com remessas menores e com o fluxo da mão-de-obra que retorna. Até mesmo os produtores de energia estão diante de grandes incertezas ao procurarem enfrentar o desafio de unir jovens desempregados, educação e trabalho produtivo em um ambiente no qual as oportunidades de emprego no setor privado deverão ser limitadas e os preços dos produtos básicos continuam voláteis. 

Haverá também problemas específicos que atravessam regiões. Já estamos vendo os efeitos da crise nas mulheres e meninas. As mulheres sofrem de forma desproporcional. Quando as famílias têm que apertar os cintos, as meninas correm um risco maior de serem retiradas da escola. E quando alguém tem que ficar sem uma refeição, na maioria das vezes são as meninas menores que sofrerão de desnutrição.


Inovação e ação

Apesar de algumas condições econômicas que reproduzem o passado, não estamos na década de 1930. Os Bancos Centrais forneceram ampla liquidez e alguns intervieram com formas criativas de manter o fluxo de crédito. Os países desenvolvidos agiram muito mais rápido do que na época de Keynes para intensificar a demanda com pacotes de incentivo. Os supervisores das instituições financeiras estão de modo geral alertas aos riscos sistêmicos de colapsos que paralisam de medo os investidores. As instituições financeiras multilaterais criadas em Bretton Woods intervieram para ajudar os países a evitar ou enfrentar a crise. Até o momento, ainda não vimos as vendas no atacado refugiarem-se no protecionismo que foi tão prejudicial na década de 1930.

Mas 2009 será um ano perigoso. Este não é um momento para satisfação. Não é um dia para expressar a falsa convicção de que tudo o que se poderia fazer, foi feito. Não é hora para respostas nacionalistas nem mesmo regionalistas limitadas. A única certeza que podemos extrair dos acontecimentos do último ano é nossa incapacidade para prever o que vai acontecer e como ela pode precipitar eventos inesperados.

Para enfrentar os desafios que estão por vir, é preciso espírito de inovação apoiado por ação.

Precisamos ser rápidos e flexíveis. Precisamos desenvolver soluções para problemas que reúnam os recursos e aptidões de parceiros múltiplos – governos, instituições internacionais, sociedade civil e o setor privado.

Precisamos de catalisadores para criar essas novas parcerias.

No mês passado, o Grupo Banco Mundial uniu forças com o Banco Europeu pela Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) e o Banco Europeu de Investimento (BEI) para apoiar os setores bancários na Europa Central e Oriental com um pacote de financiamento de até € 24,5 bilhões.

O braço do setor privado do Banco Mundial, a IFC e o Banco Japonês para Cooperação Internacional contribuíram com US$ 3 bilhões para um Fundo de Capitalização com o objetivo de ajudar a fortalecer os bancos de mercados emergentes menores e manter o fluxo de crédito para pequenas empresas e indivíduos.
A IFC uniu-se à KfW, agência de desenvolvimento da Alemanha, para criar um fundo rotativo com liquidez de US$ 500 milhões destinado a apoiar instituições de microfinanciamento, porque os empresários e as pequenas empresas oferecem a melhor rede de segurança em tempos difíceis: novos empregos.

Estamos agora avaliando os efeitos da recessão global sobre as empresas do mundo em desenvolvimento e estudando como poderíamos ajudar a mobilizar o capital privado para ajudar a reestruturar empresas e ativos em situação de risco.

Hoje, a Diretoria do Grupo Banco Mundial está examinando uma nova proposta: o lançamento de um Programa Global de Liquidez do Comércio, no valor de US$ 50 bilhões.

A gigantesca queda no comércio foi exacerbada por uma redução de financiamento do comércio. Para ajudar, primeiramente aumentamos a cobertura de garantia de crédito para o comércio para US$ 3 bilhões para os bancos dos países em desenvolvimento, muitos deles na África. Mas aprendemos que garantias não são suficientes, porque muitos pequenos mutuantes não podem obter o financiamento em moeda.

Nosso novo Programa Global de Liquidez do Comércio combinará nosso próprio investimento de US$ 1 bilhão com o financiamento de governos e Bancos Regionais de Desenvolvimento. Esses recursos públicos podem ser impulsionados por intermédio de um acordo de compartilhamento de risco com parceiros do setor privado, tais como Standard Chartered, Standard Bank e Rabobank. E depois os empréstimos para o comércio podem ser reciclados à medida que os primeiros forem pagos. Trabalhando em associação com a OMC procuraremos também aproveitar os recursos e as experiências de órgãos nacionais de crédito para a exportação.

Espero que os líderes do G-20 aprovem esta iniciativa de liquidez comercial. O apoio do G-20 nos ajudará a ganhar mais impulso para que possamos nos desenvolver em direção à meta estabelecida pelo Primeiro Ministro Brown.


Um apelo ao G-20: façam o multilateralismo funcionar

Diferentemente das crises econômicas dos últimos sessenta anos, esta é uma crise global. Ela exigirá uma solução global.

Vivemos em uma economia global comandadas por indivíduos, empresas, sindicatos e governos nacionais. Eles comercializam, investem, trabalham, inventam, negociam e constroem dentro de nações-estado, as quais definem as regras e algumas vezes acordam cumprir prazos e procedimentos negociados. O G-20 não alterará essa realidade do sistema internacional. Mas um multilateralismo fortalecido pode ampliar as vantagens e atenuar os riscos das desvantagens da interdependência econômica.

A moda é falar de novas instituições ou novos fóruns para governança global. Pode ser. Digo que devemos começar reformando e capacitando as instituições que já temos.

A OMC, FMI, Grupo Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento – juntamente com as agências da ONU podem desempenhar um papel mais importante. Com mais de 180 membros e reforma adicional para aumentar a voz e a capacidade de tomada de decisão dos países em desenvolvimento e economias emergentes, essas instituições podem ajudar a cobrir o hiato entre as nações-estados e a interdependência econômica interligando interesses nacionais, regionais e globais.

Se os líderes tiverem intenções sérias com relação à criação de novas responsabilidades ou governança globais, eles devem começar modernizando o multilateralismo para capacitar a OMC, o FMI e o Grupo Banco Mundial para monitorarem as políticas dos países. Lançar luz sobre a tomada de decisão dos países contribuiria para a transparência, responsabilidade e coerência de todas as políticas nacionais.

Como primeira etapa, o G-20 deve endossar o sistema de monitoramento da OMC para impulsionar o comércio e opor-se ao isolacionismo econômico, ao mesmo tempo em que trabalha para completar as negociações de Doha destinadas a abrir mercados, cortar subsídios e resistir à deterioração. Já estamos vendo protecionismo progressivo – medidas adotadas à custa de outros países. Campanhas de “compre isso” ou “compre aquilo”, “empregos para esses trabalhadores” ou “não há vistos para aqueles”.

À medida que o ano de 2009 avança e o desemprego aumenta, os líderes dos países serão cada vez mais pressionados para transferirem os problemas para os outros. Um estudo do Banco Mundial já demonstrou que 17 dos países do G-20 implementaram medidas de restrição ao comércio desde sua promessa pública de rejeitar o protecionismo em novembro último.

Ninguém deve desejar que transgressões isoladas se tornem um padrão – corroendo um dos principais anteparos entre esta crise e a crise da década de 1930.

Empoderar a OMC com apoio do Banco Mundial para identificar ações que possam restringir o comércio internacional, mesmo que não violem formalmente as regras da OMC. Se os países do G-20 acreditarem que uma maior governança global é adequada, eles devem estar dispostos a aceitar a “persuasão moral” de análises públicas que expõem os nomes dos envolvidos.

Em segundo lugar, muitos países promulgaram pacotes de incentivo. Eles devem ter algum efeito na contenção dos piores impactos desta recessão. Entretanto, ninguém pode saber ao certo se esses pacotes oferecem incentivo suficiente, por tempo suficiente. Existem ainda debates legítimos acerca da composição dos pacotes e do modo como eles serão implementados. O FMI sugeriu um pacote de incentivo global de 2% do PIB. Calcula que as medidas adotadas até o momento cheguem a 1,8% para 2009 e 1,3% em 2010. Existe o perigo de retirada do incentivo global em 2010.

O G-20 deve institucionalizar uma função de monitoramento para o FMI, para que este analise a execução desses pacotes de incentivo e avalie os resultados exigindo mais ação se for necessário. 

Vários líderes disseram que o FMI deveria ter desempenhado uma função de “Alerta Precoce” na etapa preliminar da crise – assim seria razoável se eles pedissem ao FMI para avaliar como estamos nos saindo na tarefa de sair da crise.

Terceiro, é fundamental que os governos organizem os ativos ruins e recapitalizem seus sistemas bancários. Recuperações econômicas comandadas por estímulos fiscais não serão autossustentáveis sem um ajuste dos sistemas bancários. Na época de Keynes, os governos permitiram que o sistema bancário se rompesse depois do fracasso do Creditanstalt na Áustria.  Hoje, os Bancos Centrais e os Ministros das Finanças estão procurando estabilizar o sistema. Mas o nível de confiança permanece baixo. Os novos investidores não desejarão colocar em risco o capital privado até que os prejuízos sejam reconhecidos de forma transparente e o futuro dos bancos seja esclarecido. As recuperações provavelmente começarão fora do setor financeiro, mas elas serão frustradas se não tiverem crédito.

A política de alocação de recursos do governo para recapitalizar os bancos não é fácil. As pessoas não gostam de banqueiros, especialmente quando eles têm que ser socorridos. Mesmo assim, os líderes precisam explicar que uma Wall Street ou City saudável é necessária para uma cidade provincial ou moderna prósperas.

O G-20 deve pedir ao FMI e ao Grupo Banco Mundial para monitorar as ações e resultados do setor bancário. Já estamos trabalhando juntos nos países em desenvolvimento por intermédio de Programas de Avaliação do Setor Financeiro (FSAPs).  Devemos fornecer feedback sobre os países desenvolvidos também, publicar os resultados, levá-los a sério e acompanhá-los.

Em quarto lugar, mesmo que eliminemos os erros do passado, os líderes do G-20 desejam legitimamente uma revisão geral do sistema regulador e supervisor financeiro. A maior parte da verdadeira autoridade sobre regulamentação ficará com os governos nacionais. Mas existe uma necessidade de cooperação internacional melhor e mais profunda. O Fórum de Estabilidade Financeira, presidido com competência por Mario Draghi, do Banco da Itália, começou a cobrir esse hiato. Com um número maior de membros, a FSF pode vir a ser outra instituição importante de um sistema multilateral, trabalhando com o FMI e o Grupo Banco Mundial na sua implementação.


Olhando para o futuro: os países em desenvolvimento devem fazer parte da solução

Falta uma quinta dimensão à nossa resposta à crise global: o mundo em desenvolvimento. Em Londres, Washington e Paris, as pessoas falam em “bônus” ou “sem bônus”. Em partes da África, América do Sul e América Latina, a luta é entre alimento ou sem alimento. Os países e os povos em desenvolvimento estão ameaçados de extinção pela crise atual. Mas eles também podem ser uma parte importante da solução.

Foi por isso que exortei as nações desenvolvidas a investirem 0,7% – menos de 1% – de seus pacotes de incentivo em um Fundo de Vulnerabilidade para ajudar os países em desenvolvimento. A ideia é utilizar os mecanismos multilaterais existentes – e não criar uma nova burocracia – para apoiar programas de redes de segurança, infraestrutura e financiamento para empresas de pequeno e médio porte. Os doadores podem utilizar os rápidos mecanismos de financiamento do Grupo Banco Mundial, agências das Nações Unidas ou Bancos Regionais de Desenvolvimento. Alemanha, Japão e Grã Bretanha já se comprometeram em contribuir com dinheiro. Espero ter mais assinaturas.

Durante a crise da dívida latino-americana da década de 1980 e a crise asiática no final da década de 1990, os governos ficaram com pouca liquidez e reduziram os programas sociais – o que afetou principalmente as pessoas de baixa renda. Os resultados surgiram em forma de distúrbios sociais, corrupção e até mesmo violência.

O G-20 precisa aprender com aqueles erros.

As transferências sociais têm sido eficazes no incentivo ao gasto e na proteção das pessoas de baixa renda contra os piores efeitos da crise. A transferência condicional de dinheiro ou os programas de alimentação escolar saudável podem ser direcionados e eficazes a um custo relativamente baixo, até mesmo de menos de 1% do PIB de um país. Programas bem-sucedidos tais como o “Oportunidades” no México ou o “Bolsa Família” no Brasil têm custo da ordem de 0,4% do PIB, enquanto o maior programa de rede de segurança da Etiópia, o “Rede de Segurança Produtiva”, custa cerca de 1,7% do PIB.

Os principais países do G-20 estão pedindo a institucionalização de sistemas de “alerta precoce” para perigos financeiros, institucionalização de novas estruturas financeiras reguladoras e institucionalização de mais recursos para o FMI destinados a intervenções maiores.

Não será o momento de institucionalizar os sistemas de “alerta precoce” paia as pessoas de baixa renda? Não será o momento de institucionalizar o apoio aos mais vulneráveis durante crises, especialmente aquelas crises que não foram criadas por eles?

Um compromisso de implantar estruturas de apoio e financiamento de redes de segurança para aqueles que correm maior risco contribuiria muito para demonstrar que este grupo dos G não aprovará um mundo em dois níveis – com cúpulas para sistemas financeiros e silêncio para os pobres.

Precisamos também investir em projetos de infraestrutura capazes de gerar empregos e ao mesmo tempo criar uma base para produtividade e crescimento futuros. 

Durante a crise de 1997-98, os investimentos da China em estradas, portos, aeroportos, energia e telecomunicações apoiaram o emprego enquanto impulsionavam o crescimento ao longo da década seguinte. Com apoio financeiro e boa governança, outros países podem fazer o mesmo, criando capacidade produtiva para pagar os empréstimos. Quando fizerem isso, os países em desenvolvimento impulsionarão a demanda global, inclusive de bens de capital e serviços, dos países desenvolvidos. Na realidade, os investimentos em infraestrutura dos países em desenvolvimento provavelmente têm maior potencial para aumentar a produtividade e o crescimento do que as “pontes para lugar nenhum” das economias desenvolvidas.

Na última década, 25 países da África Subsaariana, que compreendem cerca de dois terços da população, cresceram em média 6,6%. Isso significa uma oportunidade. Mas a falta de infraestrutura criou um estrangulamento substancial, reduzindo a produtividade das empresas em cerca de 40%. A integração regional é prejudicada. Com melhor infraestrutura, calculamos que o crescimento na África poderá ser aumentado para 2,2%.

O mesmo acontece na agricultura: os investimentos destinados a impulsionar a produtividade da agricultura africana em toda a cadeia de valor – direitos de propriedade, fornecimento de sementes e fertilizantes, irrigação, estradas e armazenamento, comercialização – pode ajudar os pequenos proprietários agrícolas a romper o ciclo da pobreza.

Não será o momento de reconhecermos que uma globalização inclusiva e sustentável depende do incentivo a diversos polos de crescimento, inclusive países em desenvolvimento?

Se os países em desenvolvimento farão parte da solução, precisam ter lugares à mesa.  O G-7 não ampliou o tempo para poder conhecer as realidades econômicas internacionais. Agora o G-20 tem oportunidade de fazê-lo. Mas cerca de 20 à mesa ainda deixam mais de 160 do lado de fora. As instituições multilaterais – com u número muito maior de membros – podem ajudar a unir o G-20 ao resto do mundo.

Não é fácil para grandes grupos compartilhar responsabilidades e gerar um objetivo comum coeso. No G-20 já estamos vendo o surgimento de diferentes blocos: a UE organizando uma posição comum para seus oito participantes, o BRICs, formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China, coordenando declarações conjuntas. Essa evolução é previsível, mas seria desastroso se o novo Grupo G, mais amplo, criasse novos hiatos entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Em vez disso, os Estados Unidos, o maior entre os países desenvolvidos, e a China, o maior dos países em desenvolvimento, devem encontrar uma base comum. A China e os Estados Unidos receberam os dois maiores pacotes de incentivo.  Entretanto, o incentivo dos EUA baseia-se fortemente no consumo ao passo que a China procura investir na criação de mais capacidade. Ao longo do tempo, esse desequilíbrio é insustentável. Os dois países precisarão cooperar em um reajuste mútuo enquanto se recuperam da crise – mais poupança por meio de disciplina fiscal e de gastos nos Estados Unidos e maior consumo, serviços para a população e oportunidades para pequenas empresas na China. Seus interesses nacionais podem ser associados para fortalecer um interesse sistêmico comum.

Um G-2 vigoroso dentro do G-20, que permeando linhas de desenvolvimento, podem formar a pedra angular no novo multilateralismo – um multilateralismo que reconheça as realidades de um sistema interno gerado, não de nações-estado isoladas, mas de nações-estado unidas pela interdependência econômica.

Esse multilateralismo moderno exigirá que as potências econômicas emergentes tenham mais voz ativa no modo pelo qual instituições como o Banco Mundial e o FMI são administrados. Isso é certo e inevitável. O mundo mudou radicalmente desde que Keynes participou da conferência de Bretton Woods em 1944. Temos que mudar com ele.

A Assembleia de Governadores do Banco Mundial deu o primeiro passo este ano com a primeira etapa de reformas para aumentar a influência dos países em desenvolvimento. A realização dessas mudanças exigirá que Estados Unidos e Europa reconsiderem antigas prerrogativas e controles. Os governos terão que decidir como fazer isso. Mas eu os incentivaria a serem ousados e terem visão de longo alcance. Os grupos interessados emergentes também devem reconhecer que junto com os direitos vêm as responsabilidades, inclusive o aumento da assistência ao desenvolvimento. O reconhecimento de novas potências não deve acontecer à custa daqueles que não têm poder.

A reforma está atrasada. É por esse motivo que alguns meses atrás solicitei ao ex-presidente Zedillo do México que conduzisse uma Comissão de Alto Nível sobre a Governança do Grupo Banco Mundial para fazer recomendações que espero que venham a fornecer uma contribuição útil às deliberações dos acionistas.


O desafio à frente

Observamos ao longo das últimas seis décadas como os mercados podem retirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e, ao mesmo tempo, aumentar a liberdade. Mas vimos também como a avareza desenfreada e a negligência podem desperdiçar esses mesmos benefícios. No Século XXI, precisamos de economias de mercado com feições humanas. Economias de mercado humanas devem reconhecer sua responsabilidade com o indivíduo e com a sociedade.

Quando Keynes proferiu seu último discurso na conferência de Bretton Woods o mundo ainda estava em guerra. No grande esquema de coisas, a notícia da criação de algumas instituições obscuras não pareceu muito significativo, entretanto elas se tornaram os pilares da arquitetura pós-guerra.

A próxima Cúpula do G-20 reúne os principais líderes de nações. Sua ação coordenada é essencial:  Os líderes devem reformar, desenvolver, aproveitar e utilizar as instituições multilaterais que herdaram. Se o G-20 atuar como um Grupo de Coordenação, as instituições multilaterais podem ajudá-lo a vencer esta crise por meio de ideias e ações de ordem prática.

Enquanto aproveitamos a oportunidade oferecida pela crise de hoje, deveríamos relembrar as palavras de Keynes em suas considerações finais: “Se formos capazes de prosseguir em uma tarefa maior da mesma forma que começamos nesta tarefa limitada, existe esperança para o mundo.”

 

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