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OPINIÃO6 de abril de 2023

Beneficiários do Bolsa Família são preguiçosos?

A pergunta correta é: o que o Brasil faz pela empregabilidade dos mais pobres?

Pablo Acosta
Folha de S. Paulo

A percepção de que programas sociais são uma armadilha que desestimulam o trabalho e condenam as famílias a eterna pobreza não se sustenta em evidências, como já abordamos em outra coluna aqui. Mesmo assim, esse falso dilema continua sendo base para a formulação de políticas públicas no Brasil.

Segundo um estudo recente do Banco Mundial, os beneficiários de programas sociais no Brasil trabalham tanto ou mais que os não beneficiários. A maioria dos beneficiários adultos do Programa Bolsa Família (BF) participam do mercado de trabalho, mesmo que com baixa remuneração e baixa qualidade de emprego. Em 2019, 34 milhões de adultos—cerca de 30% daqueles que poderiam ser considerados aptos a trabalhar no Brasil—viviam abaixo da linha da pobreza. Dentro deste grupo, os adultos do BF tinham maior probabilidade de estar na força de trabalho (70%) e de estar empregados (57%), em comparação com os demais indivíduos pobres que não recebiam o programa. No entanto, estes beneficiários eram propensos a trabalharem em empregos assalariados informais (40%) ou em empregos autônomos informais (32%), recebendo um salário muito baixo ou não remunerados - 41%. Dentre os beneficiários do Bolsa Família que permaneciam fora da força de trabalho, destaca-se a predominância de mulheres (80%) em sua grande maioria com filhos, indicando a existência de outras barreiras tais como: tarefas domésticas, ausência de creches, baixa oferta de ensino em tempo integral.

Também é um mito que todas as famílias beneficiárias de transferência de renda permanecem eternamente no programa. O estudo acompanhou as famílias que entraram no BF em 2012 até 2019. Os resultados indicam que há uma enorme variação na “sobrevivência” no programa. Por exemplo, 23% das famílias ficam menos de 3 anos e 40% ficam mais de 7 anos recebendo o benefício. O tempo de permanência no programa está associado, principalmente, à capacidade de entrada no mercado de trabalho formal. Esta, por sua vez, está altamente correlacionada com fatores individuais e contexto, principalmente o nível educacional e experiência profissional. Adicionalmente, a saída do programa é maior entre adultos com menos restrições à oferta de trabalho, tais como, menos crianças pequenas ou mais adultos com capacidade de trabalho no domicílio. Por fim, o contexto municipal é importante: as áreas urbanas apresentam uma saída mais rápida do que as áreas rurais.

Outro mito é o de que que exista uma porta giratória e que as famílias entram e saem do programa o tempo todo. Apenas 12% das famílias estudadas deixaram o programa e retornaram ao BF durante o período observado. Destes, 7% voltaram ao BF apenas uma vez e 5% o fizeram duas vezes, nos 8 anos do estudo. É importante ressaltar que o retorno ao programa não é motivado apenas por circunstâncias individuais, mas também pela disponibilidade de vagas no programa que em muitos momentos apresentou incapacidade de atendimento de toda a demanda. As taxas de saída também variavam de acordo com a estrutura demográfica dos domicílios. Aqueles com crianças mais velhas eram os mais propensos a sair até 2019, e foram também os mais afetados pelas práticas de gerenciamento do programa. As taxas de saída acumuladas aumentaram continuamente entre 2012 e 2016 e, em seguida, caíram. Famílias com filhos têm menos probabilidade (59%) de sair do BF em cinco anos do que as famílias sem filhos (72%). As taxas de saída atingem 80% entre os domicílios que têm apenas filhos maiores de 12 anos, isto é, aqueles que estavam mais próximos da idade adulta no momento da entrada.

Uma especificidade do Bolsa Família é sua regra de saída. As famílias beneficiárias do BF têm a possibilidade de manter a maior parte de seus benefícios, por até dois anos, mesmo que sua renda aumente acima do limite de elegibilidade. Esta concessão, denominada “Regra de Permanência” (RP), só está disponível se as famílias atualizarem voluntariamente suas informações de renda no Cadastro Único e desde que a renda da família permaneça abaixo da metade do salário-mínimo per capita. Além da RP, as famílias também podem se desligar voluntariamente do programa mantendo o direito de serem readmitidas caso a renda caia novamente (regra chamada de “Retorno Garantido”).

A dinâmica de entradas e saídas do programa demonstra outra especificidade brasileira: as transferências de renda condicionadas se tornaram um seguro desemprego para os informais, autônomos de baixa renda e desempregados de longo prazo. Em 2019 havia mais desempregados apoiados pelo BF do que pelo Seguro Desemprego tradicional.

O programa não aprisiona os seus beneficiários e as regras de saída estimulam a participação laboral. O problema é que o programa de transferências está cumprindo outras funções para as quais não foi desenhado, e os grupos vulneráveis precisam urgentemente de apoio para aumentar sua produtividade no mercado do trabalho.

Algumas medidas podem ajudar a nivelar as condições de acesso ao mercado de trabalho e melhorar a qualidade dos empregos para os trabalhadores pobres.  Por exemplo: (i) fornecer creche, ensino em tempo integral e eliminar outras restrições de mulheres com filhos pequenos para entrar no mercado de trabalho; (ii) apoiar a conclusão do ensino médio, técnico, profissionalizante e ingresso no ensino superior, pois educação formal é fundamental para o acesso a empregos formais; (iii) expandir o menu de programas para apoiar habilidades e empregabilidade dos pobres, bem como o apoio ao empreendedorismo e reforço nos mecanismos de intermediação; (iv) melhorar as ferramentas de seguro desemprego para disponibilizá-las a um conjunto mais amplo de beneficiários; (v) ampliar ações que permitam experiência profissional formal aos mais jovens como estágio, aprendizagem e primeiro emprego; e (vi) assegurar que a Regra da Permanência continue  a ser relevante e que não haja  lista de espera para entrar no Bolsa Família.

Portanto, a pergunta que precisa ser feita não é se os programas sociais tornam os beneficiários preguiçosos, mas o que o Brasil está fazendo para oferecer empregabilidade aos mais pobres.

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Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Josefina Posadas, economista sênior, e Tiago Falcão, consultor.

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