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OPINIÃO16 de novembro de 2022

Gastos catastróficos com saúde pesam no orçamento das famílias

O Brasil tem o maior sistema de saúde universal do mundo. A importância do SUS ficou evidente durante a recente pandemia de COVID-19, o que gerou mais demandas pelo seu fortalecimento. Um dos pontos muito destacados está relacionado ao seu financiamento.

Embora o nível de gasto total com saúde no Brasil (quase 10% do produto interno bruto) seja comparável ao de países europeus como Dinamarca, Holanda e Reino Unido, ou da América Latina como Argentina, Chile e Uruguai, uma proporção menor desse gasto total é financiada pelo setor público: pouco menos de 41% no Brasil, versus 62% na Argentina, 67% no Uruguai, 72% na Colômbia, e mais de 80% na Dinamarca e no Reino Unido.

Isso quer dizer que a maior parte do financiamento da saúde no Brasil é feita pelo setor privado, e uma parte importante desse gasto é o pagamento direto das famílias: quase 15% do gasto com saúde no Brasil é feito pelas famílias brasileiras. Na Colômbia, essa proporção é de cerca de 4%.

O principal problema desse gasto das famílias é a sua inequidade: o seu peso recai de maneira desproporcional nos grupos mais pobres e vulneráveis. E o motor principal dessas despesas individuais se concentra numa categoria: a dos produtos farmacêuticos.

Necessidades médicas são muitas vezes inesperadas e as consequências por vezes vão muito além dos impactos na saúde. Ausência no trabalho, gastos com médicos, exames e remédios podem sobrecarregar o orçamento das famílias e, em alguns casos, até levar à pobreza. Apesar da saúde pública ser gratuita no Brasil, dados mais recentes da Pesquisa de Orçamento Familiar mostram que as famílias brasileiras gastam, em média, 13% do orçamento com saúde, sendo o quarto grupo de consumo, atrás de habitação, transporte e alimentação. O problema é que esse é o gasto médio, e algumas famílias gastam muito mais, o que pode até comprometer a capacidade de comprar alimentos e pagar as contas do mês.

Gastos elevados com saúde são tão preocupantes que a literatura econômica costuma chamar de gastos catastróficos. A Organização Mundial da Saúde trabalha com diferentes linhas de referência do que é considerado um gasto elevado, entre elas um valor acima de 10% do orçamento familiar. Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que 37% das famílias gastaram mais de 10% do seu orçamento em saúde. Entre os mais pobres, esses gastos com saúde chegam a quase 40% do orçamento familiar.

O estudo identifica os grupos mais vulneráveis: domicílios liderados por mulheres, os localizados em zonas rurais, com menos escolaridade e, em especial, os domicílios com idosos. O crescimento da população idosa no Brasil é um dos mais rápidos do mundo, com previsão de passar de 11% da população em idade ativa em 2005 para 49% em 2050, o que indica que a preocupação das famílias com gastos em saúde tende a aumentar.

Em média, os medicamentos representam 46% do gasto com saúde das famílias brasileiras, mas essa proporção varia muito dependendo da faixa de renda. Para os mais pobres, 84% do gasto com saúde é gasto com medicamentos, contra 29% nas famílias mais ricas, quase três vezes menos.

Esses dados mostram claramente a importância do debate que está ocorrendo nesse momento sobre a necessidade de melhorar o acesso dos brasileiros, principalmente aqueles mais pobres, a medicamentos.  É necessário aprofundar esta discussão e informar a elaboração de políticas farmacêuticas que levem a um acesso mais equitativo a medicamentos e reduzam o impacto negativo dos gastos com saúde sobre os brasileiros mais vulneráveis.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial: Roberto Iunes, economista sênior, Courtney Ivins, especialista em saúde e Bernardo Coelho, consultor.

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