Todo 21 de março comemoramos o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, criado em memória às vítimas do massacre de dezenas de pessoas que protestavam contra o apartheid na África do Sul, em 1960. Desde então, apesar dos muitos avanços na luta pela eliminação de qualquer forma de racismo, esse problema estrutural continua afetando milhares de afrodescendentes. Por isso, precisamos relembrar e discutir esse assunto todos os dias, de maneira franca, não apenas nos espaços onde se definem políticas públicas, mas nas nossas casas, no trabalho, na mesa do bar e, principalmente, nas salas de aula.
As escolas são um grande reflexo do racismo estrutural que afeta nossas sociedades. Em um estudo do Banco Mundial publicado em 2018 sobre a situação dos afrodescendentes na América Latina, a educação aparecia como uma das áreas em que as brechas entre negros e brancos são mais visíveis. Na região, crianças e jovens afrodescendentes enfrentam oportunidades desiguais na escola, têm acesso a um ensino de pior qualidade, obtêm piores resultados de aprendizagem e possuem maior probabilidade de abandonar o sistema educacional mais cedo.
Mas ao mesmo tempo em que a educação evidencia as tantas brechas entre brancos e negros, é também nas escolas que encontramos uma das principais ferramentas para transformar essa realidade e lutar contra o racismo. Nas salas de aula podemos não apenas influenciar as mentes de crianças e jovens e desconstruir preconceitos, como também dar a futuras gerações as ferramentas necessárias para romper com as barreiras raciais e os ciclos de pobreza crônica que atingem desproporcionalmente os afrodescendentes da região.
Para compreender melhor as desigualdades que afetam as 34 milhões de crianças e adolescentes afrodescendentes em idade escolar na América Latina e identificar políticas e programas para combatê-las, o Banco Mundial preparou um novo estudo dedicado exclusivamente à inclusão de afrodescendentes nos sistemas educativos.
O relatório, que será lançado em breve, mostra que o principal problema não é de acesso, mas sim de permanência no sistema escolar. Cerca de 20% das crianças afrodescendentes não completam o ensino fundamental e menos 66%, o ensino médio na região.
No Brasil, 63% da população negra possui ensino médio completo, uma melhora quando comparada à taxa de 55,8% de 2015, mais ainda significativamente inferior aos 78,6% dos brancos. No ensino superior, 10% da população negra possui hoje superior completo – menos da metade da taxa do resto da população do país.
A inserção desigual no mercado de trabalho é outro desincentivo para abandonar os estudos. No Brasil, trabalhadores negros com superior completo ganham em média 40% menos que brancos para os mesmos tipos de trabalho, inclusive depois de controlados outros fatores como local de residência, informalidade e gênero; além de sofrerem discriminação racial em processos seletivos e no ambiente de trabalho e estarem sub-representados em cargos de liderança e em trabalhos bem remunerados.
Todas essas brechas foram intensificadas pela pandemia da Covid. O relatório mostra que mais da metade dos estudantes afrodescendentes do ensino fundamental e médio na América Latina não possuíam as ferramentas básicas para continuar sua educação de forma remota durante a quarentena. Isso fica evidente no caso do Brasil, onde cerca de 29% dos alunos negros no ensino fundamental têm acesso a computadores em casa, versus 52% dos alunos brancos no mesmo nível.
Mais do que analisar os dados disponíveis que escancaram essas desigualdades, o estudo tenta entender suas causas. Examina, por exemplo, imagens e referências em livros didáticos de dez países, identificando representações implícitas e explícitas de raça e relações raciais no ensino. Em geral, os livros escolares analisados não promovem o reconhecimento das identidades afrodescendentes e, ao contrário, muitas vezes difundem representações estereotipadas.
A luta contra o racismo e a escravidão é quase ignorada ou mencionada de passagem, com notáveis exceções nos livros brasileiros, enquanto a tendência geral na região é representar o racismo como algo que aconteceu ou ocorre em outros lugares, como se raça e desigualdade racial não fossem uma parte fundamental da história e do presente da América Latina.
O estudo traz ainda uma análise dos avanços e desafios de políticas exitosas implementadas para combater essas disparidades, desde leis anti-discriminação e quotas no ensino superior até ajustes nos currículos escolares.
A boa notícia é que as lições aprendidas com essas políticas, a análise das causas da exclusão, assim como a experiência de muitos ativistas e especialistas – cujas vozes foram fundamentais para a construção desse relatório – mostram que há muitos caminhos para romper com as barreiras raciais. Entre eles está primeiramente a escola, como um ator chave na luta contra a discriminação. As salas de aula devem ser espaços livres de qualquer expressão de racismo, pro-ativamente inclusivos e deliberadamente antirracistas.
Precisamos também eliminar as barreiras socioeconômicas que impedem que estudantes permaneçam no sistema educativo, investindo mais nas escolas mais frequentadas por crianças negras, oferecendo programas de subsídios, como bolsas de estudo e incentivos às escolas. E é crucial fechar a brecha digital que ainda existe entre negros e brancos.
Ainda há muito o que podemos e devemos fazer. A educação é uma das principais portas de entrada para um desenvolvimento justo e sustentável, inclusivo e livre de qualquer forma de racismo e discriminação. É hora de aproveitar esse potencial e investir em sistemas educativos antirracistas, e é esse diálogo que pretendemos fomentar no evento de lançamento do relatório que acontecerá em breve.
Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial German Freire, especialista sênior em Desenvolvimento Social, e Flávia Carbonari, consultora, especialista em desenvolvimento social e gênero.