Todo mundo concorda que educação de qualidade é essencial para a prosperidade de qualquer país. Ela reduz a pobreza e acelera o crescimento econômico, aumenta a mobilidade social e cria cidadãos mais conscientes. Apesar disso, os governos de todo o Brasil enfrentam dificuldades para oferecer educação básica de qualidade, e com os impactos da pandemia, os desafios só aumentaram. Os estudantes da grande maioria das escolas públicas têm um nível de aprendizado muito baixo, o que fica mais evidente quando comparado com as escolas privadas. Muitos estudantes não conseguem dominar nem mesmo as habilidades mais básicas de leitura.
O Banco Mundial calcula que quase a metade das crianças brasileiras de 10 anos não conseguem interpretar um texto simples, a chamada pobreza de aprendizagem. Em 2019, 1/3 dos jovens brasileiros de 19 anos não tinham concluído o Ensino Médio, com esse número passando de 50% em alguns estados, segundo dados da PNADC/IBGE.
A conclusão de que a educação precisa avançar bastante também vem dos dados mais recentes do IDEB - indicador que mede a qualidade da educação básica – que foram divulgados pelo Ministério da Educação no mês passado.
Os resultados do IDEB mostram que apesar dos importantes avanços conquistados pelas redes públicas de educação, com crescimento do indicador em quase todos os estados, a situação ainda é muito crítica, especialmente no Ensino Médio e nos anos finais do Ensino Fundamental (EF), que têm respectivamente apenas 2% e 6% das escolas públicas com IDEB acima de 6, valor equivalente a sistemas internacionais com o mínimo adequado de qualidade em educação.
Isso acontece mesmo após um crescimento expressivo do investimento por aluno nos últimos 15 anos em função de dois fatores: 1. aumento das receitas governamentais, as quais a Constituição vincula pelo menos 25% a investimentos em educação, mas com uma parte substancial indo para o ensino superior; 2. queda no número de alunos, em função da taxa de natalidade decrescente no Brasil. Apesar do crescimento do valor médio investido por aluno, se aproximando dos valores de outros países de renda média, o investimento por estudante no Brasil ainda é muito abaixo dos países da OCDE e muito desigual entre estados e mesmo dentro de cada estado.
No fim de agosto, o congresso brasileiro aprovou a PEC 26/2020 e deu um passo importante para priorização da educação quando tornou a principal fonte de financiamento da educação básica pública do Brasil, o FUNDEB, permanente e mais equitativo, beneficiando cerca de 38 milhões de estudantes da educação básica matriculados em escolas estaduais e municipais.
Com o novo FUNDEB, a complementação da União, que hoje é 10% do total da soma dos 27 fundos estaduais (que são compostos da arrecadação estadual e municipal em cada estado, mais o DF), passa para 12% a partir do ano que vem e chegará a 23% em 2026. Dessa forma, o governo aumentará significativamente sua participação no FUNDEB, o que é fundamental para elevar o valor investindo por aluno nos municípios mais pobres, mas estados e municípios continuarão alocando mais de 80% da composição total de recursos do fundo.
Outra mudança importante que veio da PEC foi incluir incentivos para as redes municipais e estaduais de educação melhorarem os resultados educacionais. A inspiração veio do modelo bem sucedido de repartição do ICMS do Ceará, que segundo estudos do Banco Mundial, está associado ao fato de os municípios cearenses terem obtido o maior crescimento do IDEB em todo o país no Ensino Fundamental dos últimos anos e mais recentemente ter praticamente todos os municípios alcançando as metas do IDEB no anos iniciais.
Os incentivos para as redes públicas de educação avançarem na qualidade da educação vieram de duas formas: 1. alteração no artigo da Constituição que trata da cota parte do ICMS, estabelecendo que as leis estaduais devem ser alteradas para associar à melhoria nos indicadores de educação pelo menos 10% das transferências das receitas do ICMS para os municípios, podendo chegar até 35% (no Ceará é 18%); 2. associação de 2,5 pontos percentuais da complementação da União a resultados educacionais das redes públicas, condicionado a melhorias de gestão.
Com a PEC aprovada, o próximo passo para que as mudanças se materializem é, no nível federal, a definição e aprovação da lei de regulamentação, e no nível dos estados, a revisão das leis estaduais que regem as transferências das receitas do ICMS para os municípios. Em ambos os casos, a forma como os incentivos são desenhados podem fazer a diferença entre a política ter poucos impactos na qualidade da educação ou gerar uma transformação positiva similar à que aconteceu no Ceará.
No caso cearense, o mecanismo de incentivos foi desenhado de forma a fazer com que os prefeitos priorizassem de verdade a melhoria da qualidade da educação. As regras de redistribuição premiam de forma equilibrada os municípios que têm maior crescimento na aprendizagem dos alunos, ao mesmo tempo que penalizam comportamentos indesejados, como a priorização das melhores escolas ou alunos, gerando fortes incentivos para melhoria da aprendizagem com equidade.
É importante destacar que os recursos do ICMS transferidos para os municípios cearenses não estão vinculados a despesas com educação, o que gera um incentivo muito forte para os prefeitos priorizarem a melhoria da qualidade da educação.
Houve também um forte apoio técnico do governo estadual às secretarias municipais de educação, que elevou a qualidade da educação em todos os municípios com mais equidade, além do fortalecimento dos sistemas de monitoramento dos resultados para guiar tanto as ações de apoio como identificar os municípios que avançaram mais.
Para que a reforma do novo FUNDEB seja bem sucedida, além de um bom desenho da regulamentação, será preciso reforçar o sistema de informações de educação, incluindo a necessidade de a avaliação de aprendizagem ser anual, tornando os incentivos mais dinâmicos, além do apoio técnico e pedagógico dos governos estaduais para as suas secretarias municipais de educação, assim como o Sistema Nacional de Educação. Desta forma, será possível assegurar que a melhoria da qualidade da educação alcance todas as crianças do Brasil.
Esta coluna foi escrita em colaboração com André Loureiro, economista sênior do Banco Mundial.