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17 de agosto de 2023

No sul de Angola, uma corrida para gerir a escassez de água e, ao mesmo tempo, promover o crescimento económico

The World Bank

Flore de Preneuf/ World Bank

A cerveja é 95% água (o resto é álcool e gás). No Lubango, uma cidade num planalto elevado do sul de Angola, os fabricantes da cerveja N’Gola dependem fortemente de uma fonte de água de qualidade excepcional. A água da chuva infiltra-se nas fendas verticais de Tundavala, uma formação rochosa de tirar o fôlego a 2 200 metros acima do nível do mar.  Junta-se na rocha e, depois, desce ladeira abaixo até ao Lubango, produzindo por vezes 200 metros cúbicos de água por hora.  A fonte é tão especial que é mencionada no rótulo da cerveja N´Gola e é estilizada como uma cascata dourada com uma coroa.  

Mas a água não é apenas preciosa por causa do seu sabor. Também é cada vez mais escassa numa área que tem sido atingida por secas recordes nos últimos anos. Precisamente quando o país espera aumentar o acesso à água e diversificar a sua economia, o clima irregular está a obrigar a um ajuste de contas com as práticas de gestão da água em todo o país. Os desafios são particularmente salientes nas províncias do sul e nas zonas costeiras.

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A fábrica de cerveja N’Gola emprega cerca de 700 pessoas e é uma importante fonte de receitas para o município de Lubango. Flore de Preneuf/World Bank

“Africa é um continente muito promissor para as grandes empresas de bebidas. Mas o abastecimento de água é um obstáculo para nós”, disse Marc Meyer, director da fábrica de cerveja N’Gola, que emprega cerca de 700 pessoas e é uma importante fonte de receitas para o município de Lubango. “Pode impedir a nossa expansão.”

Das terras altas do Lubango, às planícies do rio Cunene e ao deserto costeiro do Namibe, uma viagem de carro pelo sul de Angola, em Maio de 2023, destacou a importância crucial de fortalecer as práticas de gestão da água para se avançar em relação aos objectivos de água e saneamento e promover o desenvolvimento.

 

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Primeira Paragem  |  Segunda Paragem  |  Terceira Paragem

 

Primeira paragem: As terras altas do Lubango

O elevado crescimento da população e a diminuição das chuvas estão a impor compromissos difíceis em Lubango, a terceira maior cidade de Angola. “O ano passado foi o mais difícil dos meus 30 anos de carreira”, disse Domingas Tyikusse, Presidente da Empresa Provincial de Águas e Saneamento de Huíla, que supervisiona o abastecimento de água ao Lubango. Dois anos com muito pouca chuva esgotaram os recursos hídricos subterrâneos.

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O elevado crescimento da população e a diminuição das chuvas estão a impor compromissos difíceis em Lubango, a terceira maior cidade de Angola. Flore de Preneuf/World Bank

Os moradores, empresas e instituições de Lubango não tiveram outra alternativa senão adaptarem-se ao abastecimento intermitente de água. Quando a fonte de Tundavala abrandou para 20 a 30 metros cúbicos por hora em 2022, a fábrica de N´Gola viu-se forçada a operar a cerca de 60% da sua capacidade e transportar por camião água extra e cerveja extra para manter a sua quota do mercado.

Na Escola Básica número 98, frequentada por cerca de 1500 alunos em dois turnos de aulas, o acesso à água caiu para uma vez por semana no auge da crise hídrica. O jardim da escola morreu. Este ano, a água corre nos canos dois ou três dias por semana. O guarda da escola enche os contentores sempre que há água disponível e essa reserva ajuda a escola a satisfazer as suas necessidades básicas.  “Normalmente, conseguimos arranjar água suficiente. Mas, se ficarmos muitos dias sem água, temos de fechar as casas de banho “, disse Filomena da Conceição de Freitas Barros, directora da escola desde 2012. “Seria bom ter água suficiente para voltar a cultivar o jardim”, disse ela num tom melancólico. “Tenho fé que as coisas vão melhorar”. 

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Filomena da Conceição de Freitas Barros , directora na Escola Básica número 98. Flore de Preneuf/World Bank

Actualmente, a água de Lubango provém de uma combinação de furos verticais e de algumas nascentes naturais como a de Tundavala. No âmbito do Segundo Projecto de Desenvolvimento Institucional do Sector das Águas (PDISA2), financiado pelo Banco Mundial e pela Agência Francesa para o Desenvolvimento, o principal campo de furos de Lubango foi reabilitado e modernizado. Os furos estão localizados numa vasta e bem protegida reserva natural, onde a vegetação promove a infiltração de água. Mas, tal como as nascentes naturais, os furos estão sujeitos à variabilidade climática e têm registado uma diminuição constante dos níveis de água durante a seca, uma vez que a falta de precipitação afecta a recarga do aquífero.

Mais de um milhão de pessoas vivem na cidade em expansão e na sua periferia, com mais pessoas a fixarem-se aqui todos os anos, muitas vezes em bairros sem planeamento. Apenas cerca de 23% da população tem ligação de água em casa.

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Na Escola Básica número 98, o acesso à água caiu para uma vez por semana no auge da crise hídrica. Flore de Preneuf/World Bank

Para Tyikusse, a única forma de aumentar a oferta e satisfazer a procura crescente seria investir maciçamente em nova produção de água, explorando rios distantes, bombeando água do rio Cunene até ao Lubango, por exemplo, ou construindo mais sistemas de armazenamento de água e barragens. “Não podemos servir todos com o sistema que temos”, disse ela. Os planos para novas ligações de água estão suspensos enquanto se procuram soluções.

Para atingir 40% de cobertura até 2030, o Lubango precisaria aumentar a produção de água dos actuais cerca de 20.000 metros cúbicos para cerca de 55.000 metros cúbicos por dia, concordou Fernando Castanheira Pinto, especialista em água que integra a equipa de assistência técnica financiada pelo Segundo Projeto de Desenvolvimento Institucional de Água e Saneamento. Mas isso poderia ser feito de várias maneiras.  Uma melhor gestão dos recursos hídricos, redução das perdas de água, diversificação das fontes de água,  gestão da procura e aumento da capacidade de armazenamento existente podem ser caminhos mais acessíveis e sustentáveis para aumentar a disponibilidade de água, do que um único enfoque na prossecução de infra-estruturas de grande escala. “A água não facturada”, termo que abrange perdas comerciais e físicas, representa cerca de metade da água produzida no Lubango.

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“O ano passado foi o mais difícil dos meus 30 anos de carreira”, disse Domingas Tyikusse, Presidente da Empresa Provincial de Águas e Saneamento de Huíla, que supervisiona o abastecimento de água ao Lubango. Flore de Preneuf/ World Bank

Juntamente com outros contributos, a análise de Pinto irá gerar conhecimento, que vai ser utilizado para seleccionar futuros investimentos apoiados por um novo projecto de Resiliência Climática e Segurança da Água (RECLIMA) financiado pelo Banco Mundial, que se centra em bacias hidrográficas no sul de Angola e apoia investimentos em armazenamento integrado de água. “Não há bala de prata”, disse Aleix Serrat-Capdevila, Especialista Sénior rem Gestão de Recursos Hídricos do Banco Mundial que lidera o projecto RECLIMA. “São os investimentos combinados e a gestão eficiente de três tipos de armazenamento - armazenamento de bacias hidrográficas, armazenamento de águas subterrâneas e armazenamento de águas superficiais ou reservatórios – que irão aumentar a segurança hídrica e a resiliência climática do Lubango”.

Segunda paragem: As planícies do Rio Cunene

O rugido da água é audível, mesmo antes de pisar a estrada que atravessa a barragem hidroeléctrica de Matala, no Rio Cunene. Cerca de 175 000 metros cúbicos de água branca agitada correm através das comportas.  Temporariamente fora de serviço enquanto se procede à substituição das turbinas, a barragem pode produzir cerca de 46MW de electricidade. Globalmente, 70-83% da energia de Angola tem origem hídrica – um contributo importante para os objectivos energéticos sustentáveis, num país talvez mais conhecido pela sua produção de petróleo.

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“Não ia conseguir cultivar nada disto sem irrigação”, disse José Vianja, agricultor. Flore de Preneuf/World Bank

A barragem de Matala também é vital para os pequenos e médios agricultores, que recebem água da barragem ao longo de um canal de 43 quilómetros de extensão. “Não ia conseguir cultivar nada disto sem irrigação”, disse José Vianja, um agricultor de 60 anos, apontando para as fileiras de couves, batatas e alho, irrigadas através de sulcos simples. “Posso cultivar mais produtos agrícolas de alto valor, do que se dependesse da chuva”, disse o proprietário de um terreno de cinco hectares. O canal, construído na década de 60 e renovado em 2002, após a guerra, beneficia cerca de 1.200 agricultores agrupados em associações de agricultores e tem capacidade para irrigar 10.000 hectares de terrenos agrícolas.

A cerca de uma hora de distância, os acontecimentos recentes sublinharam a importância de infra-estruturas de armazenamento de água para proteger os agricultores e os proprietários de gado. O gado e outros bens foram levado ou destruídos pelas águas quando uma grande estrutura, conhecida como a barragem de Sendi, colapsou em 2019. A seca fez-se sentir nesse mesmo ano, deixando o gado a morrer de sede e os residentes a lutar com esta situação. Alguns criadores de gado tiveram de deixar a área. Levámos água aos moradores com a ajuda de camiões”, disse António Luis Cassimbo, administrador adjunto da divisão económica e social do município de Quipungo.

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A barragem de Matala também é vital para os pequenos e médios agricultores, que recebem água da barragem ao longo de um canal de 43 quilómetros de extensão. Flore de Preneuf/World Bank

Uma barragem improvisada ajudou a aumentar a existência de água este ano, mas as autoridades locais estão ansiosas por ver o projecto RECLIMA a financiar a reabilitação da barragem de Sendi, muito maior, para restaurar o potencial económico da barragem”, disse Cassimbo.

Um Fardo Diário para Mulheres e Raparigas

Nas zonas rurais carentes, mulheres e raparigas usam uma variedade de estratégias para realizar as suas tarefas diárias. Ana Joaquina Comaco, de 42 anos e mãe de seis filhos, estava ocupada a lavar a roupa com o neto amarrado às costas, num pequeno ribeiro perto da aldeia de Mukuyu. “Há quase cinco anos que não temos chuvas regulares”, disse. Ela depende da chuva para cultivar feijão, milho, painço e sorgo; usa água do poço para beber; e dirige-se ao ribeiro para lavar. Enquanto falava, com a água pelos joelhos, outras raparigas tomavam banho, lavavam louça ou carregavam baldes pesados para regar cuidadosamente o cebolinho num campo adjacente. Estas tarefas relacionadas com a água pertencem tipicamente às raparigas e às mulheres e contribuem, indirectamente, para a elevada taxa de abandono escolar das raparigas adolescentes em Angola.

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Tarefas relacionadas à água pertencem tipicamente às raparigas e às mulheres e contribuem, indirectamente, para a elevada taxa de abandono escolar das adolescentes em Angola.

Última paragem: O deserto e o mar

Ao dirigir-se para oeste de Lubango, as terras altas verdes começam a desaparecer e dão lugar ao deserto vermelho, à poeira cinzenta e a ocasionais árvores de baobá. Aqui e ali, vêem-se alguns oásis. Em seguida, oliveiras, campos de milho, tomateiros e, finalmente, o salpico azul do Oceano Atlântico. Em Moçâmedes, a capital litoral da província do Namibe, o clima é mediterrânico e o ambiente é leve. As pessoas sentam-se em bancos à sombra de palmeiras entre casas pintadas com cores vivas, ou observam as crianças a correr da areia para o mar.

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Moçâmedes, a capital litoral da província do Namibe. Flore de Preneuf/World Bank

“Aqui, tudo cresce. Temos um solo muito fértil e o clima é ideal. Podemos cultivar durante todo o ano com irrigação”, disse Emma Guimarães, Vice-Governadora da província de Namibe, no seu gabinete em Moçâmedes.  A província é rica em pesca, agricultura e mineração. Existe um bom potencial turístico. Contudo, as preocupações com a água estão bem presentes: “Temos vários rios nas proximidades, mas eles são intermitentes. Isto cria insegurança no acesso à água”.

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Residentes enchem recipientes para uso pessoal, para os dias em que não têm acesso à água. Flore de Preneuf/World Bank

Fazendas comerciais altamente produtivas extraem água de centenas de furos. Os pequenos agricultores ocupam os leitos secos dos rios entre as estações das chuvas e extraem água, que está sob o solo arenoso, para regar as suas plantações. Camiões-cisterna, cheios de engenhocas conhecidas como “girafas” ziguezagueiam pela área para abastecer de água os assentamentos fora da rede de abastecimento. Os residentes enchem recipientes para uso pessoal, para os dias em que não têm acesso à água. E as mulheres continuam a carregar galões pesados de água potável para complementar os abastecimentos de água não-potável.

No hotel Chik Chik, a alguns quarteirões da praia, os proprietários investiram no seu próprio reservatório de 100.000 litros: “É essencial. Sem água, não poderíamos funcionar". Os hóspedes precisam tomar banho; nós precisamos lavar toalhas e lençóis”, disse Eugénio Mateus, gerente do hotel. O hotel gasta cerca de 180.000 Kwanzas (cerca de 150 dólares) em taxas de abastecimento de água por mês.  

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No hotel Chik Chik, os proprietários investiram no seu próprio reservatório de 100.000 litros: “É essencial. Sem água, não poderíamos funcionar". Flore de Preneuf/World Bank

 

Ao dirigir-se para oeste de Lubango, as terras altas verdes começam a desaparecer e dão lugar ao deserto vermelho, à poeira cinzenta e a ocasionais árvores de baobá. Aqui e ali, vêem-se alguns oásis. Em seguida, oliveiras, campos de milho, tomateiros e, finalmente, o salpico azul do Oceano Atlântico. Em Moçâmedes, a capital litoral da província do Namibe, o clima é mediterrânico e o ambiente é leve. As pessoas sentam-se em bancos à sombra de palmeiras entre casas pintadas com cores vivas, ou observam as crianças a correr da areia para o mar.

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Moçâmedes, a capital litoral da província do Namibe. Flore de Preneuf/World Bank

“Aqui, tudo cresce. Temos um solo muito fértil e o clima é ideal. Podemos cultivar durante todo o ano com irrigação”, disse Emma Guimarães, Vice-Governadora da província de Namibe, no seu gabinete em Moçâmedes.  A província é rica em pesca, agricultura e mineração. Existe um bom potencial turístico. Contudo, as preocupações com a água estão bem presentes: “Temos vários rios nas proximidades, mas eles são intermitentes. Isto cria insegurança no acesso à água”.

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Flore de Preneuf/World Bank

Fazendas comerciais altamente produtivas extraem água de centenas de furos. Os pequenos agricultores ocupam os leitos secos dos rios entre as estações das chuvas e extraem água, que está sob o solo arenoso, para regar as suas plantações. Camiões-cisterna, cheios de engenhocas conhecidas como “girafas” ziguezagueiam pela área para abastecer de água os assentamentos fora da rede de abastecimento. Os residentes enchem recipientes para uso pessoal, para os dias em que não têm acesso à água. E as mulheres continuam a carregar galões pesados de água potável para complementar os abastecimentos de água não-potável.

Mas, tal como no Lubango, pouco de sabe sobre a dimensão, natureza e recarga dos aquíferos que abastecem as populações e sustentam a actividade económica. Um estudo regional inicial, financiado pela RECLIMA, irá mapear os recursos hídricos subterrâneos e avaliar a sua qualidade para melhorar a base de conhecimento destinada à tomada de decisões, complementando outros estudos que estão a ser realizados em torno do Lubango e Moçâmedes no âmbito do projecto PDISA2, e os estudos e o reforço de capacidade apoiados por subvenções da Parceria Global para a Segurança Hídrica e o Saneamento  e o Fundo Fiduciário da Coreia para o Crescimento Verde . Isto iria ajudar a determinar, por exemplo, se a província tem meios para promover tanto a agricultura como o turismo; como servir mais agregados familiares; e em que medida é que o excesso de bombeamento pode levar à intrusão de água salgada no aquífero. 

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Juntamente com a redução das perdas de água e o aumento do armazenamento de água, será essencial uma melhor monitorização e gestão dos recursos hídricos subterrâneos no futuro. “À medida que a inconstância climática e as mudanças afectam os recursos hídricos e as cidades continuam a crescer, é fundamental que aperfeiçoemos a nossa compreensão da dinâmica da disponibilidade de água e das opções de gestão”, disse Aleix Serrat-Capdevila, Especialista Sénior em Gestão de Recursos Hídricos do Banco Mundial.  “Ao apoiar o Gabinete de Administração das Bacias Hidrográficas do Cunene, Cubango e Cuvelai e outras agências de bacias hidrográficas que estão a ser criadas, esperamos que Angola reforce a sua capacidade para gerir melhor os escassos recursos hídricos para atender às necessidades concorrentes, aumentar a segurança hídrica e contribuir para o desenvolvimento inclusivo e resiliente do sul”.