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REPORTAGEM6 de dezembro de 2023

O que é uma estrada boa para você?

The World Bank

“Agora me canso menos e vou mais tranquilo”, conta o motorista José Correia sobre a recuperação das estradas inclusas no PREMAR 1 e 2 

Foto: Mariana Ceratti/Banco Mundial

Uma visita a trechos melhorados com apoio do Banco Mundial mostra que a qualidade da rodovia vai muito além do pavimento

Quando você viaja de carro, em que aspectos presta atenção para avaliar se a estrada está boa ou ruim? Para o engenheiro civil Anibal Coelho da Costa, com 50 anos de profissão, a resposta vem rapidamente:

“Na visão do público leigo, estrada boa é aquela sem buracos nem grandes deformações”, comenta. “Mas quem é técnico vê que às vezes a estrada está aparentemente sem buracos, mas com desgastes acentuados, indicando que em pouco tempo, com um período de chuva, a água penetrará no pavimento e ele vai deteriorar de forma acelerada”, completa.

Uma visita às rodovias estaduais melhoradas pelo Programa de Recuperação e Manutenção de Rodovias da Bahia (PREMAR 1 e 2, de 2006 a 2014 e de 2016 a 2021), financiado pelo Banco Mundial, ajuda a entender essas diferentes percepções. Além disso, mostra o quanto a iniciativa foi importante para os moradores e o quanto ainda há para fazer para melhorar a infraestrutura de transportes do estado.

Nas duas fases, o programa recuperou 4000km de pavimento: 1000km na primeira e 3000km na segunda. Uma das obras ocorreu no trecho da BA-263 conhecido como Serra do Marçal, conhecido pelo desnível de mais de 400m (ao longo de apenas 6km) e curvas que mais parecem cotovelos dobrados. Em 2007, a rodovia precisou ser interditada por quase seis meses para fazer a recuperação. “O trânsito ficou complicado à época porque tivemos de fazer um grande desvio, mas deu certo”, lembra Anibal, que trabalhou no PREMAR 1 e 2.

O gerente de posto de gasolina Mauricio de Jesus Oliveira se lembra bem dessa época: “Como o trânsito foi desviado, o movimento no posto caiu. Naquele tempo, tinha muita buraqueira no caminho daqui (o município de Itambé) para Vitória da Conquista. Além das curvas, tinha que ficar desviando dos buracos”. Hoje, ele está satisfeito com o estado das pistas. “Acho que não falta nada.”

Também com apoio do PREMAR, os 300km que separam Paulo Afonso e Juazeiro podem ser feitos em quatro ou cinco horas, em vez das antigas 12. “Me canso menos e vou mais tranquilo”, conta o motorista José Correia.

Depois dessas primeiras e importantes melhorias, a equipe que trabalha na preparação de um novo programa (o Pró-Rodovias) detecta vários pontos de atenção. Eles valem não só para a Bahia, mas para outros estados a serem contemplados pelo Pró-Rodovias (Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Goiás, Tocantins, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Piauí), além de estradas federais administradas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) no Nordeste. É um passo importante para aumentar a segurança viária no Brasil, país que ocupa o terceiro lugar global em mortes nas estradas, segundo boletim do Observatório Nacional de Transporte e Logística (ONTL).

As rodovias sempre devem ser pensadas levando em conta que os seres humanos erram
Carlos Bellas Lamas
gerente do PREMAR no Banco Mundial
The World Bank

Nas duas fases, o PREMAR recuperou 4000km de pavimento: 1000km na primeira e 3000km na segunda. Uma das obras ocorreu no trecho da BA-263 conhecido como Serra do Marçal

Foto: Mariana Ceratti/Banco Mundial

The World Bank

A estrada pode estar bem construída e mantida, mas sempre pode haver acidentes caso os motoristas, ciclistas ou pedestres ajam com imprudência

Foto: Mariana Ceratti/Banco Mundial

Uma estrada boa tem...

  • Manutenção planejada, regular e de qualidade, evitando que eventuais problemas se aprofundem. Uma estrada nunca é algo estanque: ela pode parecer boa num dia e ruim no outro. Daí vem a importância de incluir a conservação nos projetos de infraestrutura. Com as mudanças climáticas, que tendem a tornar chuvas e secas cada vez mais intensas e frequentes, esse ponto ganha relevância ainda maior. Se surgir uma erosão, por exemplo, é importante agir logo para contê-la (antes que o conserto fique muito mais caro). Por meio do PREMAR 2, foram criados contratos de longo prazo, por desempenho, ou seja: o pagamento às construtoras era feito somente se as condições acordadas fossem cumpridas (eliminar os buracos, limpar as drenagens, manter a rugosidade dentro dos parâmetros, etc.). “O Pró-Rodovias aprimora esses contratos assegurando a manutenção das rodovias por prazos mais longos. O objetivo do programa é melhorar o acesso a oportunidades para a população por meio de uma conectividade mais segura e resiliente aos impactos das mudanças climáticas”, diz Carlos Bellas Lamas, gerente do programa no Banco Mundial.
  • Drenagem bem-feita. Essa é uma obra fundamental para toda rodovia. Senão, a água que vem do solo começa a infiltrar e produzir trincas no asfalto. Muitas vezes, precisa ser refeita porque a realizada anteriormente não dá mais conta de escoar a água dos rios e das chuvas, sobretudo se – de novo, com as mudanças climáticas – a intensidade pluviométrica da região aumentar.
  • Integração segura e acessível das rodovias às áreas urbanas. Nas estradas que passam por pequenas cidades, sempre se veem ciclistas e pedestres. Para aumentar a segurança deles, é preciso haver calçadas, ciclovias e áreas de proteção. Essas obras beneficiam em particular as mulheres e crianças pobres, pois elas são as que mais caminham e pedalam.
  • Defensas (guard rails) instaladas corretamente, em especial em curvas perigosas, margens de rios e barrancos. No caso de uma batida, elas são essenciais para ajudar a desacelerar o veículo e evitar danos maiores à vida dos passageiros. Por isso, precisam estar bem firmes no solo e numa altura adequada (ou, como dizem os engenheiros, no gabarito certo). Se estiverem muito baixas ou com o poste solto, não cumprirão a função.
  • Sinalização constante e em bom estado. Mantê-las assim cabe tanto à administração da rodovia (pública ou em PPP) quanto à população. Placas pichadas e furtadas trazem riscos a motoristas, ciclistas e pedestres, além de exigirem recursos adicionais para reposição. Anibal Coelho conta que o vandalismo ainda é comum e, para contê-lo, é importante sempre sensibilizar a comunidade. “Durante todo o programa, a gente teve o cuidado de fazer essa conscientização em relação ao que isso pode representar de risco para ela própria”, lembra.
  • Fiscalização de velocidade, ultrapassagem e carga. Você sabia que o excesso de carga nos caminhões faz com que o piso tenda a estragar muito mais rápido, tornando a necessidade de manutenção ainda mais frequente? Estima-se que, no Brasil, 3% dos caminhões rodem com carga acima do recomendado e eles respondem por metade da degradação das rodovias.

Finalmente, a estrada pode estar bem construída e mantida, mas sempre pode haver acidentes caso os motoristas, ciclistas ou pedestres ajam com imprudência. Na interseção da BA-142 com a BA-026 – um trecho a ser contemplado no Pró-Rodovias –, um motorista que não quis se identificar tombou um caminhão de gás porque dormiu ao volante. Tinha acordado às 3h para levar a carga e cochilou. Quando acordou, já estava fazendo uma curva à esquerda e tombando. Derrubou um poste de luz. Não houve feridos nem mortos.

“As rodovias sempre devem ser pensadas levando em conta que os seres humanos erram, como explica o conceito de Visão Zero. Elas precisam ser construídas e mantidas de modo que, mesmo com um acidente ou um evento climático extremo, os prejuízos à vida e aos bens materiais sejam os menores possíveis”, comentou Carlos Bellas, do Banco Mundial.

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