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REPORTAGEM28 de maio de 2023

Por que 7 milhões de afrodescendentes abandonariam o ensino fundamental?

#EducationWithoutRacism

Na América Latina há cerca de 34 milhões de crianças e jovens afrodescendentes em idade escolar. Sete milhões abandonarão o sistema educacional antes de terminar o ensino fundamental.

Gabrielle Marquez, estudante de 18 anos que admite ter se sentido sub-representada nos materiais didáticos, afirma que nunca viu crianças negras nos livros escolares. Hoje ela estuda medicina, mas admite que muitas vezes sentiu que não conseguiria terminar a escola.

Ela não é a única que se sente assim. Há 34 milhões de crianças afrodescendentes em idade escolar na América Latina, mas mesmo assim as estatísticas indicam que 7 milhões delas abandonarão o sistema educacional antes de terminar o ensino fundamental ─ o dobro da média regional em comparação com seus pares de ascendência não africana.

Germán Freire, especialista sênior em desenvolvimento social do Banco Mundial e autor de um novo relatório, afirma que os livros didáticos são uma das muitas ferramentas pedagógicas disponíveis para professores e alunos. Segundo ele, os livros nos permitem entender o tipo de visão, bem como os preconceitos ou omissões, que afetam a experiência escolar de crianças e adolescentes negros. 

O relatório do Banco Mundial, Inclusão de Afrodescendentes na Educação, dá continuidade a um extenso trabalho de pesquisa sobre populações afrodescendentes na América Latina realizado nos últimos anos e revela novos dados sobre a qualidade e os retornos da educação para essa população. Além disso, o relatório investiga um dos possíveis motivos da exclusão - o racismo na educação - ao identificar a exclusão da educação como um dos principais fatores que tornam a crise educacional regional mais significativa para a população afrodescendente.

Tudo isso é confirmado em entrevistas com crianças e adolescentes afrodescendentes que compartilharam suas reações e contaram sua experiência com suas próprias palavras.

Nem professores nem livros escolares 

O racismo, explícito ou implícito, é um dos principais fatores de exclusão dos afrodescendentes, visto que crianças e jovens recebem mensagens e estímulos negativos sobre si mesmos e suas perspectivas de vida.

Maybell Serrano, estudante de 14 anos, refletindo sobre uma imagem que aparece em um livro escolar, ressaltou que a maioria dos professores é branca. Um corpo docente sem apoio, juntamente com o pequeno número de professores afrodescendentes   ̶   que podem ser mais sensíveis e servir como modelos ─ limita o desempenho acadêmico nessa população.

Além disso, as representações nos livros escolares muitas vezes não promovem o reconhecimento da identidade das comunidades afrodescendentes; pelo contrário, contribuem para reforçar estereótipos e representações tipificadas dessas comunidades.

O relatório do Banco Mundial inclui uma revisão de 5.121 imagens de 40 livros didáticos de ensino fundamental e médio de 10 países latino-americanos. Os afrodescendentes estão representados em apenas 15 por cento das imagens, principalmente em atividades ligadas à música, esportes e trabalho rural, manual ou industrial.

Freire destaca que os livros didáticos da região raramente representam as contribuições e aspirações dos afrodescendentes e, ao contrário, tendem a reforçar visões que podem não ser intrinsecamente negativas, mas perpetuam uma visão limitada e estereotipada de sua contribuição para a sociedade e impactam as aspirações e a percepção de oportunidades de meninos e meninas afrodescendentes.

Roniel Mesa, estudante de 18 anos, expressou a opinião de que tudo começa na escola. Ele deixou claro que os livros precisam ser mudados para não repetir os mesmos estereótipos. Ele chegou à conclusão de que com essa pequena mudança, de uma geração para outra, poderia se alcançar uma mudança permanente.

Marquez sugeriu que mudar a maneira como os livros didáticos lidam com as relações raciais e o racismo é um primeiro passo no processo mais amplo de desenvolvimento de uma agenda educacional antirracista. Ela tem o desejo de dar um livro para sua sobrinha e que, ao abri-lo, ela veja uma advogada negra.

Os livros didáticos da região raramente representam as contribuições e aspirações da população afrodescendente. Com mais frequência, tendem a fortalecer visões que podem não ser negativas em si mesmas, mas que reproduzem uma visão limitada e estereotipada de suas contribuições para a sociedade e que impactam nas aspirações e na percepção de oportunidades de meninos e meninas afrodescendentes
Fatimetou Mint Mohamed
Germán Freire
Especialista sênior em desenvolvimento social e autor do relatório "Afro-descendentes na América Latina".
The World Bank

Educação sem racismo na América Latina

Enquanto a América Latina vive uma crise generalizada de aprendizagem, os estudantes de ascendência africana estão entre os mais atingidos. No Brasil, por exemplo, quase metade das crianças afrodescendentes não consegue ler ou entender textos apropriados para a idade, comparado a 39% das crianças não afrodescendentes.

Na Colômbia, a situação é igualmente preocupante. Quase sete em cada 10 crianças afrodescendentes não conseguiram entender um texto apropriado para a idade em 2019, comparado a cerca de quatro em cada 10 de seus pares não afrodescendentes.

Um passo crucial no avanço da inclusão na educação é reconhecer e abordar os fatores que causam e perpetuam a exclusão. O relatório propõe uma série de estratégias:

  • Produzir livros e materiais didáticos inclusivos que desconstruam a contextualização discriminatória de pessoas de ascendência africana e representem sua história e cultura com fidelidade;
  • Reconhecer e enfrentar o racismo estrutural, criando e ampliando mecanismos de denúncia e reparação da discriminação;
  • Envolver a comunidade e a escola em conversas sobre o tema e criar currículos escolares mais inclusivos;
  • Apoiar programas de treinamento e desenvolvimento de professores sobre diversidade e inclusão, a fim de criar ambientes seguros que acolham e valorizem os alunos, implementando uma política de tolerância zero em relação à discriminação; e
  • Aprimorar a coleta e análise de dados sobre raça para estabelecer e fortalecer políticas voltadas para a redução da desigualdade educacional.

Eliminar a exclusão de crianças e adolescentes afrodescendentes na América Latina é vital para o desenvolvimento da região. Educação de qualidade sem racismo é a ferramenta mais poderosa para conseguir isso. Conforme explica Yomairy Vasquez, de 10 anos, a mudança é necessária para que a nova geração veja que há uma nova oportunidade para os afrodescendentes.

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