Imagine que você está em uma escola e quer aproveitar o intervalo para ir ao banheiro. Nesse momento, em vez de um toalete com descarga e uma pia, você encontra um banheiro seco, sem descarga (ou um buraco no chão), e nenhum lugar para lavar as mãos. E tampouco há álcool gel disponível. Como você se sentiria?
Em todo o Brasil, 39% das escolas não têm infraestrutura para lavagem das mãos, segundo o Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP). Nelas, essa cena e as muitas sensações ruins que ela desperta se repetiam todos os dias até começar o período de isolamento social causado pela pandemia. E voltarão a ocorrer quando as escolas reabrirem, pois lhes falta o acesso adequado a saneamento.
Um novo estudo do UNICEF, Banco Mundial e Instituto Internacional de Águas de Estocolmo (SIWI) mostra que crianças e adolescentes estão entre as vítimas invisíveis da falta de investimentos em saneamento no país. Para os estudantes de escolas públicas, a situação é mais alarmante, já que as instituições privadas contam com mais do dobro da cobertura desses serviços.
E, no Norte do país, as disparidades são ainda maiores. Apenas 19% das escolas públicas do Amazonas têm acesso ao abastecimento de água, ao passo que a média nacional é de 68%. Em relação ao esgotamento sanitário, a situação é crítica: no Acre, por exemplo, apenas 9% das escolas públicas têm acesso à rede pública de esgoto; em Rondônia, 6%; no Amapá, só 5%.
Também no grupo dos principais prejudicados pela falta de saneamento estão os povos indígenas, bem como os moradores das favelas – onde as mulheres são maioria – e das zonas rurais. Para eles, é difícil seguir uma das recomendações mais básicas contra a propagação da COVID-19 e outras doenças: lavar bem as mãos com água e sabão.
Casa sem banheiro
Dados do JMP indicam que 15 milhões de brasileiros moradores de áreas urbanas não têm acesso a água segura: potável, protegida de contaminação externa e disponível em casa. Em áreas rurais, 25 milhões gozam apenas de acesso básico à água de fontes seguras, mas longe de suas residências.
É assim, por exemplo, na comunidade quilombola de Conceição, em Bequimão (Maranhão), onde vive Aldenice Melo, 16 anos. “A água do poço que abastece a comunidade não é das melhores. É salobra. Para beber, os moradores têm que buscar água em um povoado vizinho”, ela conta.
Quando se trata de esgoto, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a instalações sanitárias adequadas, não compartilhadas com outras moradias, com esgoto coletado e tratado de forma segura. Desse total, 2,3 milhões ainda defecam a céu aberto.
“Onde eu moro, nem todas as casas têm banheiro, só uma minoria. Por não haver esgotamento sanitário, costuma-se usar as fossas, que contaminam o solo”, relata Isabele Silva, 17 anos, de Itaberaba (Bahia).
“É muito complicado viver com esgoto na sua porta e sem uma gota de água na sua bica”, completa Thais Matozo, 20 anos, moradora da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro.