REPORTAGEM

Os ‘supercamponeses’ que derrotaram as mudanças climáticas

24 de março de 2014



DESTAQUES DO ARTIGO
  • Combinando tecnologias de ponta com métodos tradicionais, milhares de produtores rurais latino-americanos resistem às secas, às inundações e aos degelos

No mundo fictício dos super-heróis, eles se chamariam algo como Capitão Semente, SuperÁgua e SuperAndino, unidos em uma luta de titãs contra novos vilões que rondam a Terra: as mudanças climáticas.

No mundo real, seria mais exato chamar esses personagens de “Supercamponeses”. Esse grupo crescente de pequenos agricultores latino-americanos e caribenhos mistura, com bons resultados, técnicas avançadas e métodos tradicionais contra as manifestações extremas nos padrões climáticos – sejam elas secas, cheias ou esgotamento das fontes de irrigação natural.

Tal esforço é fundamental em uma região em que 93 milhões de pessoas vivem da agricultura. Só no Caribe, o setor dá emprego a quase 75% da população rural.

Embora sejam anônimos, esses heróis de carne e osso podem ser encontrados aos milhares em várias partes da América Latina. Um deles é o brasileiro Inácio Medeiros, que colhe 4 toneladas de goiaba por mês em uma das zonas mais secas do país: na zona rural de Cruzeta (Rio Grande do Norte).

Mais ao norte, no Haiti, pequenos agricultores plantam sementes capazes de resistir a estiagens e inudações. Já no Uruguai, eles usam um aplicativo que monitora o clima, a terra e a água. Enquanto isso, os bolivianos tratam de usar com eficiência as águas da neve dos Andes.

Todas essas iniciativas têm um mesmo objetivo: contribuir para que a agricultura se adapte à elevação da temperatura do planeta – uma das consequências das mudanças climáticas.

“O potencial de danos às plantações devido a pestes e doenças, associado às mudanças de temperatura, já tende a aumentar em um mundo 2ºC mais quente”, ressalta o estudo Diminuindo o Calor – Por que um Mundo 4º mais Quente Precisa ser Evitado, do Banco Mundial. Uma situação que, sem dúvida, piorará em um planeta com temperatura mais alta.

Para adaptar os cultivos às novas condições climáticas, nem sempre é preciso usar tecnologias sofisticadas. Às vezes, basta fazer como Medeiros, que só usa fertilizantes e pesticidas naturais, além de um sistema de irrigação que calcula a exata quantidade de água a ser usada nas plantações. Como resultado, a atual produção de goiaba enche 150 caixas (de 26kg) por mês.

Super-sementes contra as inundações

No entanto, tampouco é fácil para um agricultor adaptar-se ao novo cenário. “O problema da mudança climática é de longo prazo, e as necessidades dos agricultores, imediatas”, justifica o economista agrícola Diego Arias, do Banco Mundial.

“Demora até os produtores sentirem os benefícios econômicos da adaptação. Nesse período, a renda cai, e eles precisam se manter, alimentar os filhos, etc.”, explica ele, que trabalhou por 10 anos em projetos no Haiti.

A agricultura responde por 25% do PIB e 66% dos empregos nas áreas rurais do país caribenho. Para estimular a mudança entre 3 mil agricultores locais, o Banco Mundial está à frente de um projeto que lhes permite ter acesso a super-sementes (mais resistentes às intempéries), insumos e equipamentos.

Tudo isso fez com que a agricultora Chery Denise parasse de sofrer com as inundações e descobrisse técnicas sustentáveis. “Em um ano, minha produção aumentou em quase 30%”, conta ela.


" Demora até os produtores sentirem os benefícios econômicos da adaptação. Nesse período, a renda cai, e eles precisam se manter, alimentar os filhos, etc. "

Diego Arias

economista agrícola do Banco Mundial

Degelo dos Andes

Longe dali, na Bolívia, os desafios enfrentados pelos agricultores são diferentes: têm a ver com o degelo dos Andes como consequência do aquecimento global.

Em um projeto do Banco Mundial com a ONG Care, 155 famílias do departamento de La Paz ganharam novos sistemas de irrigação que aproveitam a água das neves. A tecnologia faz parte de um conjunto de melhorias para essa comunidade, que agora também tem acesso a sementes modernas e insumos que não agridem o meio ambiente.

Ao sul da América, destaca-se o Uruguai, onde está sendo desenvolvido o Sistema Nacional de Informação Agrícola (SNIA). Trata-se de um portal que vai integrar as previsões meteorológicas e os alertas de desastres. A ferramenta também vai monitorar a vegetação, solo e água, além de gerar programas de simulação do impacto do uso de novas tecnologias.

Nos próximos anos, inovações como essas serão cada vez mais necessárias na América Latina –que em médio prazo poderia ser uma das principais fontes de alimentos do mundo.

Para o brasileiro Inácio Medeiros, o pequeno agricultor tem um papel importante nesse cenário. “Quando a gente cuida da terra, ela devolve esse cuidado”, define.


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