Evidências recentes dos impactos da COVID-19 e as lições de epidemias passadas sugerem um aumento dos riscos significativos de Violência contra a Mulher (VCM) nesses contextos, principalmente em países com sistemas de saúde e Estado de Direito fracos e que já apresentavam níveis elevados de VCM e desigualdade de gênero. Relatórios recentes indicam que o Brasil não é exceção. Dados dos dois primeiros meses das medidas de confinamento (março e abril de 2020) apontam para um aumento de 22% nos casos de feminicídio e de 27% nas denúncias recebidas pela linha nacional de atendimento à VCM em comparação ao mesmo período em 2019.
O aumento do estresse econômico causado pela perda de renda, ansiedades diante da epidemia e medo de contágio, além do isolamento social e o confinamento obrigatório, com possíveis agressores e crianças em casa, apontam para o aumento da probabilidade de exposição de mulheres e meninas à violência por parceiro íntimo e abuso e exploração sexual nesse período. O aumento dos riscos não é acompanhado pelo acesso aos serviços de saúde, segurança e justiça disponíveis para as vítimas, uma vez que estes podem ficar limitados devido à priorização de recursos a outros serviços, o fechamento de serviços disponíveis para as vítimas e restrições à mobilidade pública.
O objetivo desta nota é ajudar os governos Federal e subnacionais do Brasil a compreenderem o aumento dos riscos de VCM no país em tempos de COVID-19 e a adotarem respostas mais adequadas de curto, médio e longo prazo. Nesse sentido, a nota aponta para evidências de fatores de risco ligados à epidemia e relacionados ao aumento dos índices de VCM, tendências da VCM durante a epidemia no Brasil, políticas e intervenções adotadas em todo o mundo para mitigar os impactos adversos, e esforços de resposta dos governos e organizações da sociedade civil. Também compila os dados disponíveis sobre o aumento da VCM no país desde o início da pandemia da COVID-19, apontando os principais vínculos (diretos e indiretos) entre os dois.
Embora o objetivo seja oferecer um apoio oportuno durante a atual pandemia, os dados de alta frequência disponíveis e as restrições impostas à coleta de dados pela situação atual dificultam a avaliação do impacto efetivo dessas medidas, intervenções e esforços de resposta. A implementação dessas ações deve ser acompanhada de perto para gerar lições para orientar a atuação em caso de pandemias futuras. Este, portanto, deverá ser um documento dinâmico que contribuirá para os conhecimentos globais sobre as respostas dos países aos desafios relacionados à VCM durante a pandemia da COVID-19, documentando as ações adotadas nesse sentido. De modo geral, as conclusões devem ser consideradas preliminares e serão atualizadas com base em consultas com integrantes do governo, sociedade civil e especialistas do Brasil.
Esta nota foi elaborada por Gabriela Bastos, Flávia Carbonari e Paula Tavares. A equipe agradece o inestimável apoio e contribuições de Pablo Ariel Acosta, Alberto Coelho, Maria Gonzalez e Juliana Braga.