A isenção de impostos para a ainda indefinida Cesta Básica Nacional, prevista na Reforma Tributária, pode melhorar ou piorar a distribuição de renda entre a população, dependendo de como for conduzida. A informação é da pesquisa Impactos distributivos da reforma tributária no Brasil: cenários relativos à isenção da Cesta Básica, do Banco Mundial.
“Na discussão sobre a reforma tributária, toda proposta para isenção ou redução de alíquota significa uma transferência de recursos da sociedade em geral para produtores ou consumidores do setor que pede o benefício. Portanto, ao isentar ou reduzir a alíquota de um bem ou serviço específico, a alíquota padrão a ser paga por todos os demais consumidores precisa ser aumentada para compensar a perda fiscal. Ou seja, estamos falando de transferência de renda entre grupos de consumidores”, disse Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial e um dos autores do estudo.
A equipe analisou os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018 e a carga tributária incidente sobre cada bem e serviço consumido pelas famílias e simulou alguns cenários relacionados à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45 para a Reforma Tributária. Usando o perfil de consumo das famílias, de acordo com os 10 grupos de renda da população (“decis”), foi calculada a carga tributária média paga em cada um e a distribuição do total arrecadado entre eles.
Os cálculos foram feitos tanto para o sistema tributário vigente quanto para diversos cenários possíveis para a implementação do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que prevê uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional.
No sistema tributário vigente, embora os 10% mais pobres paguem apenas 2,4% do total arrecadado, as famílias comprometem quase 60% da renda com tributos (PIS/COFINS, ICMS, ISS e IPI). Os mesmos tributos correspondem a apenas 13% da renda dos 10% mais ricos.
A PEC 45 estipula uma redução em 60% da alíquota padrão de IBS/CBS para serviços de educação, saúde e alimentos. Também cria uma cesta básica nacional que deverá ter alíquota zero de IBS/CBS, embora o texto da proposta não indique quais alimentos deverão compor a cesta. A proposta possibilita, ainda, a criação do mecanismo de devolução do imposto para as classes de renda mais baixa (“cashback”).
A primeira simulação feita no estudo do Banco Mundial considerou a implementação do IBS/CBS com alíquota padrão aplicada sobre todos os bens e serviços. Foi possível perceber uma melhora na distribuição de renda, uma vez que os 10% mais pobres reduziriam de 2,4% para 2,2% a participação na arrecadação tributária, enquanto os 10% mais ricos aumentariam de 33% para 36,9% a participação no total arrecadado. Quase todos os decis da população tiveram uma melhora do ponto de vista distributivo.
Em outro cenário, foi simulada a aplicação da alíquota reduzida em 60% sobre educação e saúde; os alimentos foram incluídos numa cesta básica nacional e tributados à alíquota zero. Quando se analisam os dados, pode-se perceber que muitos dos itens colocados na cesta básica são, na verdade, consumidos majoritariamente pelas pessoas de renda mais alta, beneficiando-as em detrimento da população mais vulnerável.
Para evitar o desequilíbrio na distribuição dos recursos, o Banco Mundial estudou, então, um critério analítico para inclusão e exclusão de alimentos na Cesta Básica Nacional: não incluir os produtos cujo consumo pelos 10% mais ricos ultrapasse 50% do consumo realizado pelos 40% mais pobres. A justificativa é que uma redução de alíquota nesses itens significaria que mais de 50% dos recursos não arrecadados se destinariam aos 10% mais ricos, piorando a distribuição de renda.
Uma terceira simulação reflete, então, essa cesta básica nacional reduzida. Os alimentos não incluídos na cesta básica seriam tributados à alíquota reduzida em 60%. O cenário da cesta básica reduzida gera uma arrecadação adicional, pois parte dos alimentos são tributados à alíquota reduzida. Esse valor extra de arrecadação é utilizado na simulação para devolver (cashback) o IBS/CBS para as famílias incluídas no Cadastro Único.
O resultado obtido consegue reduzir bastante a carga tributária dos 10% mais pobres, passando de 48% (no cenário anterior) para 31%. Do ponto de vista distributivo, a mesma classe de renda reduz sua participação no total arrecadado de 1,9% para 1,2%. Além disso, os 10% mais ricos, que no sistema atual são responsáveis por 33% do valor arrecadado, neste cenário pós-reforma, com alíquota reduzida e cashback, passa a pagar 39,3% do total.
Finalmente, o estudo simulou o impacto da aplicação de uma alíquota padrão para todos os bens e serviços, com reembolso total do IVA para as famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único. Essa última alternativa se mostra a mais eficaz do ponto de vista de distribuição de renda e significa que as classes mais baixas não pagam imposto algum, enquanto os 10% mais ricos pagam 40,1% do total arrecadado.
“Não há dúvidas de que o sistema atual é o mais regressivo, reforçando, portanto, a urgência da reforma. Mas devemos reconhecer que as reduções do IVA são dispendiosas em termos de perda de receitas e beneficiam os mais ricos em termos absolutos. O novo desenho do sistema tributário pode ser otimizado em favor dos mais vulneráveis, mesmo diante de fortes restrições fiscais,” disse Gabriel Lara Ibarra, economista sênior do Banco Mundial e autor do estudo.