REPORTAGEM

Transporte público, ferramenta para reduzir a pobreza na América Latina

16 de setembro de 2014


Image

Ciclistas nas ruas da Cidade do México 

S. GUTIÉRREZ (EFE)

As pessoas que caminham pelas ruas das cidades da América Latina contam com apenas 4% de espaço exclusivo

Um rápido passeio pelo centro de qualquer grande cidade latino-americana será suficiente para saber quem manda nas ruas. Enquanto cerca de cem milhões de carros (um para cada cinco pessoas) circulam diariamente pelas grandes avenidas e vias mais modestas, o cidadão fica relegado às calçadas estreitas e passagens para pedestres que, por serem pouco respeitadas, podem transformar-se em um autêntico calvário.

Na América Latina, o carro é o rei e o pedestre um súdito, que na melhor das hipóteses conta com apenas 4% de espaço para uso exclusivo, em contraste com 96% para o transporte motorizado. Isso, segundo especialistas, impacta o desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos.

Apesar dos esforços nos últimos anos, as ruas planejadas para pedestres e/ou ciclistas nas principais cidades latino-americanas brilham por sua ausência. Por exemplo, esta é a situação em algumas das maiores cidades da região: Buenos Aires tem 140 quilômetros de 44.500 quilômetros de vias existentes dedicados a pedestres (0,31% de espaço para as pessoas, o resto para veículos). A Cidade do México conta com 100 km de 63.700 km (0,15% de espaço para as pessoas). Bogotá tem 305 km de 7.750 km (3,9% para os pedestres). No Rio de Janeiro, 340 km de 15.371 km (2,2% para pedestres).

É o resultado da rápida e pouco planejada urbanização na região, caracterizada por ter prestado mais atenção na oferta de serviços de mobilidade para o transporte privado do que na criação de espaços para o bem-estar de seus próprios habitantes.

E, levando em conta que hoje mais de 80% dos latino-americanos (ou 480 milhões de pessoas) vivem em cidades e que em 2050 serão 90%, estamos falando de um problema de grandes proporções.

Mas a hegemonia do carro em detrimento do pedestre pode estar chegando ao fim, ou de maneira mais realista, ao começo do fim.

Em busca da felicidade

Pouco a pouco vão surgindo projetos urbanos que pretendem devolver às pessoas os espaços à sua volta para transformá-los em lugares agradáveis de encontro, interação e socialização e para que, finalmente, se tornem lugares mais habitáveis e que contribuam para o bem-estar da sociedade.

Essas ruas abrigam espaços para todos os meios de transporte (pedestres, bicicleta, carro, bonde, ônibus), respeitam o meio ambiente, costumam incorporar novas tecnologias e, especialmente, colocam as pessoas e seu bem-estar no centro da ação.

Um claro exemplo de como o projeto urbano de qualidade pode chegar a reinventar a vida de toda uma cidade é Medellín, na Colômbia. Abalada pela insegurança e pelo tráfico de drogas nos anos oitenta, implementou infraestruturas abertas, verdes e inovadoras, como por exemplo o Distrito de Inovação ou a Rota N (centro de inovação e negócios).

Hoje em dia as comunas são em sua maioria pacíficas e suas ruas estão repletas de automóveis, pedestres e crianças de bicicleta. Em parte graças à criação de espaços recreativos que incluem todos os cidadãos; a taxa de homicídios caiu 80% desde 1990.

Esse é apenas um exemplo de como um bom uso do espaço público pode dar resposta a problemas estruturais existentes na região –como o crime e a violência– à medida que gera mais integração social e melhora a convivência entre moradores.

Essa nova tendência também está associada à promoção de métodos de transporte mais sustentáveis que melhoram a mobilidade urbana.

Cidades a serviço dos mais vulneráveis

Mas um bom projeto e planejamento das cidades não implicariam apenas em recuperar os encontros nas esquinas, o comércio local ou caminhar para o trabalho, mas também poderiam ajudar a solucionar os principais desafios enfrentados pela região.

“A criação de boas infraestruturas de espaços públicos de qualidade e de meios de transporte que cheguem aos mais vulneráveis e excluídos da sociedade é essencial para reduzir os níveis de desigualdade e de pobreza que temos na região”, afirma Verónica Raffo, especialista em infraestrutura do Banco Mundial.

Calcula-se que cerca de 111 milhões de latino-americanos vivam em bairros de periferia e que um a cada quatro habitantes das cidades sejam pobres. Segundo a especialista, a exclusão física leva à exclusão econômica, por isso é necessário conectar os mais pobres com o resto da cidade.

Nesse sentido, o Transmilênio, em Bogotá, é um exemplo de como um sistema de transporte pode contribuir em reduzir o tempo que os habitantes de menor renda levam para deslocar-se, o que lhes permite desfrutar de uma melhor qualidade de vida.

Outro aspecto é que um melhor projeto e planejamento urbanos podem contribuir para a redução dos efeitos dos desastres naturais. A América Latina conta com nove dos 20 países que mais perderam dinheiro como consequência das condições climáticas extremas, com um custo estimado de 50 bilhões de dólares (cerca de 117 bilhões de reais) de 2001 a 2010.

Um bom planejamento urbano ajudaria, por exemplo, a construir edifícios em lugares seguros e não em montanhas com risco de deslizamentos ou à beira de rios que costumam transbordar depois de fortes chuvas.

Segundo especialistas, para preservar o espaço público é imprescindível o compromisso não apenas de governos, mas também da comunidade e do setor privado.

“Espaços públicos bem projetados estimulam a inclusão social, a prosperidade e a funcionalidade de uma cidade. Por isso é importante um bom planejamento que dê especial atenção aos grupos mais vulneráveis, promovendo oportunidades para que todos possamos desfrutar de ambientes seguros, inclusivos, limpos e saudáveis”, observa Raffo.




Api
Api

Welcome